Único Cardeal Micaelense nasceu há 100 anos nos Arrifes e “era um homem à frente do seu tempo”

D. Humberto de Medeiros foi arcebispo de Boston e ordenou, o atual pároco da Matriz de Ponta Delgada

Assinala-se amanhã, dia 6 de outubro o centenário do nascimento do único cardeal micaelense, D. Humberto Medeiros, um dos dois cardeais açorianos e um dos cerca de 50 portugueses.

O Cardeal Humberto Medeiros nasceu em 1915 e em 1931, emigrou com os seus pais para os estados Unidos para a cidade de Fall River, onde havia uma enorme comunidade micaelense. Aí trabalhou em fábricas e ao mesmo tempo começou a estudar. Destacou-se no liceu e depois na licenciatura de filosofia tendo sido ordenado padre em 1946.

Começou por ser pároco em Fall River, mas as suas qualidades intelectuais, pastorais e humanas fizeram com que rapidamente fosse nomeado Bispo, primeiro de Brownsville, no Texas e 20 anos depois feito cardeal de Boston, que era a segunda maior diocese dos EUA em 1973.

Foi um incansável lutador contra o aborto, num debate muito vivo que dividiu a América dos anos 70; participou em dois conclaves. Faleceu em 1983, com 68 anos de idade, na sequência de uma complicada operação ao coração. No seu funeral estiveram presentes grandes figuras políticas dos EUA como o senador Edward Kennedy, irmão do Presidente John Fitzgerald Kennedy e o governador do Estado de Massachussets, Michael Dukakis.

Voltou aos Açores em 1978 para participar nas Festas do Senhor do Santo Cristo, a convite do Bispo de Angra D. Manuel Afonso Carvalho e do seu coadjutor D. Aurélio Granada Escudeiro, e acabaria por ordenar um dos sacerdotes que hoje ocupa a paróquia da Matriz de São Sebastião, no coração da cidade de Ponta Delgada, o Pe Nemésio Medeiros, que o recorda como “um homem à frente do seu tempo, com um enorme sentido prático e muito próximo das comunidades”.

Em entrevista ao Sítio Igreja Açores, a propósito desta “efeméride”, o sacerdote, que ainda é primo em quarto grau do Cardeal (tal como o Pe Teodoro Medeiros, também natural dos Arrifes, ordenado há 15 anos e neste momento a iniciar o doutoramento em Sagrada Escritura em Roma), lembra o Cardeal e a sua relação com os Açores e com o País que o acolheu.

“Conheci-o pessoalmente em Fátima quando ele veio como delegado do Santo Padre às celebrações de Maio de 1977 e na altura, estava a terminar o Seminário e ele disse-me que viria aos Açores em Maio do ano seguinte para as Festas do Senhor Santo Cristo”, revelou o sacerdote lembrando que como “produto da Obra de Rua do Padre Américo” manteve um “diálogo muito próximo com o Cardeal” e “seguia o seu exemplo com grande entusiasmo”.

“Percebendo que poderia haver a conjugação da ordenação e da visita, toda a gente na Obra do Gaiato começou a trabalhar nesse sentido e eu que terminei os estudos em fevereiro acabei por ser ordenado no dia 1 de maio de 1978, uma segunda feira do Santo Cristo”, disse o pároco da Matriz de São Sebastião.

“Lembro-me das palavras dele como se fossem hoje: Não tenhas medo… o importante não são os cargos; o importante é Jesus que está sempre presente e nos ajuda permanentemente”, relembra o Pe Nemésio Medeiros dizendo que o Cardeal disse-o na homilia e depois voltou a dizê-lo na Sacristia quando se ajoelhou para lhe beijar as mãos como é hábito.

“Foi muito afetuoso. Ele tinha sido colega de escola do meu pai e passou por muitas dificuldades… isso aproximou-o das pessoas, percebendo-as melhor” destaca o sacerdote afirmando que talvez “tenha sido esse o segredo da sua boa aceitação” pelas pessoas em geral.

“Ele conhecia bem os seus problemas, era um homem simples e sobretudo muito pragmático. Facilitou muitas coisas. Comparo-o um pouco ao Papa Francisco, quer na sua simplicidade quer no seu sentido pastoral e por isso ele também foi muito contestado internamente”, adianta ainda.

A este propósito lembra uma carta que o Cardeal lhe deixou, numa paragem em Santa Maria a caminho do Conclave que elegeu o Papa João Paulo II. Aliás, o Cardeal português “teve a graça” de participar em dois conclaves, mas no último “pediu-me que rezasse por ele. Não sei se tinha qualquer indicação mas fê-lo. Hoje isso leva-me a pensar que se calhar havia alguma coisa”. O Cardeal viria a falecer logo de seguida na sequência de uma cirurgia complicada ao coração, com 68 anos de idade, em 1983.

O Cardeal Humberto Medeiros, a par do Cardeal José da Costa Nunes, também no século XX, são os dois cardeais açorianos, cuja vida e obra começa agora a ser objeto de estudos e biografias.

“Seria muito interessante que nesta data do centenário alguém pudesse estudar a figura do cardeal e fizesse uma biografia dele porque se trata de uma figura muito marcante na sociedade americana”, frisou ainda o Pe Nemésio Medeiros.

 

 

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