A última sessão do Concílio Vaticano II terminou no dia 8 de dezembro de 1965

Completam-se esta segunda feira, 8 de dezembro, Solenidade da Imaculdada Conceição, 60 anos do encerramento do Concílio Vaticano II , que continua a ser o acontecimento que mais profundamente moldou e dividiu a Igreja Católica moderna. O que nasceu como um gesto ousado de João XXIII para “abrir as janelas” e permitir a entrada de ar fresco transformou-se numa herança viva, disputada e reinterpretada por cada pontificado desde então. Hoje, mais do que memória histórica, o Vaticano II é uma espécie de `campo de batalha teológico e pastoral´ embora os sucessivos Papas, e de forma particular Leão XIV, tenham pedido de forma reiterada, várias vezes, a última das quais este sábado, que é necessário que a Igreja “volte a Jesus Cristo”.
O Papa, na audiência do Jubileu, recordou que o Concílio Vaticano II “ensinou a ler os sinais dos tempos” e que é necessário “arregaçar as mangas” e procurá-los com “inteligência” no mundo atual.
“O Concílio Vaticano II ensinou-nos a ler os sinais dos tempos: diz-nos que ninguém consegue fazê-lo sozinho, mas juntos, na Igreja e com muitos irmãos e irmãs, lemos os sinais dos tempos. São sinais de Deus, de Deus que vem com o seu Reino, através das circunstâncias históricas. Deus não está fora do mundo, fora desta vida. E o Concílio disse que esta missão é particularmente dos fiéis leigos, homens e mulheres, porque o Deus que se encarnou vem ao nosso encontro nas situações do dia a dia. Nos problemas e nas belezas do mundo, Jesus espera-nos e envolve-nos, pede-nos que trabalhemos com Ele. É por isso que esperar é participar”, indicou na audiência geral do Jubileu que se realizou este sábado na Praça de São Pedro, no Vaticano.
Aliás, aquando da sua primeira reunião com os cardeais, a 10 de maio, imediatamente após a sua eleição no Conclave, Leão XIV convidou a Igreja a uma “plena adesão” ao Concílio Vaticano II e recordou a exortação apostólica do Papa Francisco, ‘Evangelii gaudium’, assinalando a “atualização magistral” que o seu antecessor fez de “pontos fundamentais”, sublinhando serem “princípios do Evangelho que animam e inspiram a vida e o agir da família de Deus”.
“O regresso ao primado de Cristo no anúncio; a conversão missionária de toda a comunidade cristã; o crescimento na colegialidade e na sinodalidade; a atenção ao sensus fidei, especialmente nas suas formas mais próprias e inclusivas, como a piedade popular; o cuidado amoroso com os marginalizados e os excluídos; o diálogo corajoso e confiante com o mundo contemporâneo nas suas várias componentes e realidades”, especificou são aspetos de um caminho “que a Igreja tem feito” e precisa “continuar a fazer”.

O Concílio que abriu janelas… e levantou poeira
Entre 1962 e 1965, mais de 2.400 bispos, teólogos e observadores de todo o mundo protagonizaram aquilo que muitos chamaram “a maior assembleia humana da história”. O objetivo: atualizar a Igreja para dialogar com um mundo em rápida transformação.
A revolução veio em ondas: missa em línguas locais em vez do latim; diálogo com outras religiões e com a ciência; ecumenismo reforçado; papel ampliado para os leigos; e uma visão de Igreja como “Povo de Deus”, menos rígida e menos centrada na hierarquia. Para uns foi a libertação necessária; para outros, uma ruptura perigosa. O fim do concílio não fechou um debate, antes pelo contrário inaugurou décadas de disputas. Na Via della Conciliazione, que hoje continua a receber milhões de peregrinos, particularmente neste ano santo, muitos nem imaginam que atrás das colunas de Bernini travam-se, até hoje, algumas das mais intensas disputas de identidade da Igreja.
“Sempre que não se revisita o Concílio, ou se esquece aqueles que são os seus documentos fundamentais, como a Lumen Gentium, quem perde é a Igreja e é a humanidade”, afirmou ao sítio Igreja Açores Monsenhor António da Luz, ex professor do Seminário de Angra, ordenado em 1958, lamentando que muitos responsáveis ainda não tenham compreendido ou assumido o essencial da sua mensagem.
“Foi a grande revolução da Igreja”, ao colocar Jesus no centro, “recuperando a dimensão sinodal da comunidade cristã”, acrescenta com o entusiasmo de quem se ordenou antes do Concílio mas foi seduzido pelo aggiornamento começado pelo Papa João XXIII e prosseguido pelo Papa Paulo VI.
Hoje, para alguns, o Concílio sobrevive em reformas incompletas, resistências persistentes e interpretações opostas.
Coube a Paulo VI concluir o concílio e aplicar as reformas. Tarefa ingrata. Entre reformas litúrgicas, impulso ao ecumenismo e criação do Sínodo dos Bispos, o Papa avançou com prudência quase cirúrgica.
Mas a poeira levantada pelo desejo de “janelas abertas”, de João XXIII não baixou: alguns grupos acusavam-no de ceder ao mundo moderno; outros diziam que travava os passos do Concílio.
A publicação da Encíclica Humanae Vitae, em 1968, reafirmando a proibição da contracepção artificial, acendeu uma crise global. Paulo VI acabaria visto como o Papa do “equilíbrio impossível”.
Eleito em 1978, João Paulo II parecia devolver vigor ao espírito conciliar: viagens planetárias, encontros inter-religiosos históricos, aproximação com o judaísmo e o islão, defesa dos direitos humanos, protagonismo dos leigos.
Mas nos bastidores, adotava uma hermenêutica restrita do Concílio: centralização da autoridade em Roma; limites a debates sobre moral sexual e ordenação feminina; contenção das teologias progressistas da América latina levando o Concílio ao mundo, mas impondo-lhe igualmente algumas fronteiras.
Bento XVI, o teólogo que quis “purificar” o Vaticano II, viveu-o em primeira mão. Como pontífice, procurou consolidar a “interpretação autêntica”: nada de rupturas, tudo continuidade.
Tentou a reconciliação com grupos tradicionalistas, revalorizou a missa tridentina e reforçou a doutrina. Ao mesmo tempo, cultivou o diálogo fé-ciência e a reflexão teológica. Para os mais críticos, “colocou o concílio sob tutela”; para outros livrou-o dos excessos.
Desde 2013, Francisco assumiu explicitamente ser “filho do Vaticano II”.
A sua agenda pastoral recupera o espírito conciliar em temas como sinodalidade, misericórdia, ecologia integral e inclusão dos marginalizados. E, voltou a colocar a limitação do retorno à missa tridentina; debates sobre acolhimento de pessoas LGBT e divorciados; sínodos com participação ampliada- mulheres e leigos em geral- e foco nos pobres e periferias.
Mas a resistência interna cresceu em igual medida e houve momentos em que a polarização de posições quase que ameaçou uma ruptura.
Entre a memória da janela aberta e o medo de que o vento desarrume mais do que ilumine, a Igreja segue tentando compreender o seu lugar no mundo contemporâneo.
“A sinodalidade da Igreja é todos nós, de mãos dadas. A Igreja não são os Papas ou os bispos, com todo o respeito. Isso é linguagem gasta, que está estragada. A Igreja somos nós os batizados. A multidão de batizados…Ninguém é mais do que ninguém” afirma o padre Silvino Amaral ordenado em 1958.
Esta segunda feira assinala-se os 60 anos do encerramento do Concílio vaticano II, desejado e preparado pelo Papa João XXIII e presidido pelo papa Paulo VI.
Foi o 21º e mais recente concílio da Igreja Católica, convocado pelo Papa João XXIII para atualizar a doutrina da Igreja face ao mundo moderno. Realizado ao longo de quatro sessões, buscou “aggiornamento” (atualização), levando a mudanças como a permissão de missas nas línguas locais, e a aprovação de documentos sobre a liturgia, a Igreja, a revelação divina e as relações com o mundo moderno.