22 anos depois Igreja de Nossa Senhora do Carmo na Horta reabre ao culto

A cerimónia de reabertura desta igreja “transatlântica” decorre segunda-feira, dia 16 de julho, e será presidida pelo bispo de Angra

A Igreja de Nossa Senhora do Carmo, pertencente à Ordem Terceira na Horta, reabre ao culto esta segunda feira, data em que se festeja a Solenidade de Nossa Senhora do Carmo, 22 anos depois de ter encerrado ao culto.

A cerimónia de reabertura desta igreja, que servia no século XVIII como local de acolhimento de muitos cristãos em trânsito entre a Europa e a América, foi precedida de um novenário que se iniciou a 7 de julho e de várias atividades culturais e  religiosas que se intensificaram entre 14 e 16 de julho. Hoje,  haverá uma celebração eucarística, a primeira desde que a igreja encerrou em 1996, que será presidida pelo bispo de Angra, D. João lavrador, seguida de um concerto pelo Coral de Santa Catarina, com a participação da soprano Glória Pimentel, do barítono Fábio Silveira e a direção musical do ouvidor da Horta, Pe. Marco Luciano Carvalho, a partir das 21h30.

A reabertura desta igreja ao culto faz-se em situações absolutamente excecionais já que a recuperação da igreja não se encontra completa.

“A igreja vai ser reaberta com as condições de segurança e a dignidade necessárias para a celebração do culto que passará a ser ao domingo, à terça e à quinta- feira, intercalando com o programa de missas  da igreja Matriz” referiu ao Igreja Açores o Pe. Marco Luciano, reitor desta Igreja.

A parte do Convento vai ser transformada em Centro Pastoral, graças a um protocolo que será celebrado com a Matriz da Horta que assegurará a manutenção da igreja e as obras para que o Centro Pastoral possa ter dignidade e condições de funcionamento, não só para as atividades da Ordem Terceira, proprietária do espaço, e da Matriz mas também de todas as outras paróquias da ilha que necessitem.

A igreja reabre com uma série de altares por recuperar, alguns deles com “urgente necessidade de restauro, com risco eminente de ruírem”, como disse ao Igreja Açores o Pe. Marco Luciano Carvalho. Um dos altares que precisa de ser urgentemente recuperado é o altar mor, removido aquando das obras e que ainda não foi restaurado, obrigando a Ordem Terceira à compra de um novo altar e de um ambão para servir ao culto no imediato.

“Este processo da igreja do Carmo é uma lição” refere o sacerdote .

“Temos de olhar para o património  com outros olhos e perceber que se estamos à espera de subsídios para o recuperar na totalidade corremos o risco de o perder porque nem sempre há sensibilidade e disponibilidade financeira para o fazer”.

“Se formos por essa Europa afora verificamos que há tantas igrejas cuja recuperação está inacabada e ainda assim estão abertas ao culto. Neste caso, ou nos esquecíamos que tínhamos este espaço e deixávamo-lo ao abandono ou então deitávamos mãos à obra e fazíamos o que tínhamos a fazer, mesmo sem subsídios e foi  esse o caminho que seguimos”, acrescentou, “salvando o que havia para salvar por etapas”.

“A nossa grande vontade é que o Governo Regional dos Açores proceda a uma avaliação deste processo e nos acompanhe neste desejo de preservar o património edificado dos Açores que tem valor e que deve ser uma referência”, disse ainda, “e que passe da vontade de colaboração para uma colaboração efetiva, real e concreta”.

A igreja do Carmo irá abrir ao culto com o tecto todo restaurado; com um pavimento novo (o chão estava em terra batida), com portas e janelas novas, com uma nova bancada da assembleia, toda pintada de fresco, com uma fachada recuperada, com a eletrificação toda nova e com muito do seu espólio restaurado.

“Tudo isso foi possível porque a Câmara Municipal da Horta percebeu a importância deste espaço e assegurou parte do pagamento destas obras e procedeu à requalificação urbanística do espaço envolvente à Igreja que antes era uma zona de despejo da cidade, completamente abandonada” disse ainda o Pe. Marco Luciano que não esconde a gratidão pelo contributo de muitos “mecenas anónimos”, alguns deles “nem praticantes são” mas que “perceberam o que estava aqui em jogo”.

“Estou muito contente por chegarmos a esta fase, grato a todos os que contribuiram financeiramente e por conseguirmos manter e levar por diante este sonho de reabertura de uma das igrejas mais imponentes do arquipélago” refere ainda, sublinhando o “arrojo de quem a construiu que não tinha só em mente os Açores ou Portugal mas uma ideia de acolhimento transatlântico dada a situação geográfica privilegiada desta cidade”.

Um processo de recuperação tormentoso

A Igreja do Carmo encerrou as portas ao culto em 1996, altura em que começou a obra de restauro e conservação, graças a uma parceria entre a Ordem Terceira e o Governo Regional. A obra não correu bem por alegada má gestão; foi abandonada e as dividas foram-se acumulando sendo que o Governo acabaria por, em 2008, assumir o passivo da obra junto da empresa. Na altura constituiu-se uma comissão de gestão do património da Igreja do Carmo, liderada pelo recém chegado reitor, Pe. Marco Luciano Carvalho, que elaborou um plano escalonado de prioridades.

“Na altura quisemos salvaguardar o espólio que estava disperso, proceder à sua inventariação e acautelar as obras que já tinha sido feitas e que corriam o risco  de ser postas em causa devido a infiltrações quer nas paredes quer na cobertura. O edifico esteve mesmo em risco de ruir” salienta o atual reitor da Igreja do Carmo.

Este processo decorreu entre 2008 e 2011 e em 2011 iniciou-se a negociação com o Governo Regional para retomar o processo, levando a cabo um conjunto de obras para  imediata consolidação do edifício de forma a  assegurar o que já lá tinha sido feito. As obras decorreram em 2012, voltando a parar por falta de disponibilidade financeira. Apesar de ser reconhecida a importância do edifício nunca houve a correspondente disponibilização de um envelope financeiro que desse cobertura à intervenção.

Perante o impasse, os responsáveis da Ordem Terceira optaram pela recuperação da Capela dos Terceiros, cujas obras decorreram entre 2012 e 2015, altura em que a Capela reabriu ao culto e começou a acolher celebrações ao domingo. A presença crescente de actividade naquele espaço, o número de pessoas que começou a ir todos os domingos à missa naquela capela acabou  por determinar uma aceleração do processo de recuperação da Igreja principal do Convento, com um envolvimento direto da autarquia. Em 2017 as obras da igreja recomeçaram.

“Sabíamos que era uma aventura pois não tínhamos dinheiro para tudo. Optámos por recuperar apenas o que permite reabrir a igreja em condições de segurança e com a dignidade necessária para a celebração do culto” refere o Pe. Marco Luciano Carvalho.

“Havia dois caminhos ou esquecíamos a igreja e assumíamos que não podíamos fazer mais nada ou então avançávamos para uma aventura não de um ano ou dois anos , mas de um tempo indefinido em que o grande objectivo era não deixar as portas fechadas. E conseguimos!”.

“Agora esperamos que o Governo regional olhe para isto, avalie esta lição de cidadania e se junte a nós com um contributo efetivo para continuarmos a levar a recuperação por diante”, conclui o sacerdote.

Igreja do Carmo da Horta

A Ordem Terceira do Faial é a proprietária deste imóvel, construído no século XVIII e mandado edificar por D. Helena de Boim, esposa do então Capitão-mor Francisco Gil da Silveira.

A Ordem Terceira tem mais de 200 irmãos ativos, “é a mais viva dos Açores”, e perspetivam-se mais 10 entradas este ano, sobretudo jovens. Devido à entrada de alguns jovens os responsáveis estão mesmo a pensar criar um movimento juvenil ligado à Igreja do Carmo, avançou o Pe. Marco Luciano Carvalho.

A edificação deste templo foi feita aproveitando o local da primitiva ermida cuja evocação era Nossa Senhora da Boa Nova, que havia sido construída cerca de 1639. Esta nova igreja foi edificada para satisfazer as necessidades de uma população crescente e em busca de maior dignidade. Assim, as obras da nova igreja iniciaram-se em 1698, mas só em 1797 ficaram concluídas, 99 anos depois, período de tempo que permite imaginar a grandiosidade da obra.

Na sequência da extinção das ordens religiosas pelo Liberalismo em 1834, o edifício viu-se perante uma situação de abandono, pelo que apenas se salvou devido aos esforços do Duque d’Ávila e Bolama, importante incentivo o impulsor para uma nova era de brilhante desenvolvimento sócio-cultural na Horta, doando o templo à Ordem Terceira do Carmo, no reinado de D. Maria II.

No seu interior é de destacar a capela-mor dotada por um trono, os altares laterais e a Capela dos Terceiros (anexada à Igreja), em talha dourada e com elementos característicos do estilo Rococó, bem como os preciosos painéis de azulejos policromadas em azul e branco e as esculturas religiosas (imagens estas que são maioritariamente do estilo “roca”).

Infelizmente e apesar do contexto histórico nacional e regional, o edifício não se encontra classificado nem sob qualquer forma de proteção até à data.

 

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