Por António Pedro Costa

A entrevista concedida pelo Padre Paulo Duarte, conhecido comunicador da congregação dos Jesuítas, à RTP3, no dia 27 de junho, revelou-se um testemunho raro e profundamente comovente sobre a vulnerabilidade humana e a densidade do itinerário espiritual. Escutá-lo foi mais do que um exercício de atenção, foi uma experiência de inquietação interior e de reencontro com o essencial.
É, desde logo, notável e diria mesmo corajoso, que um sacerdote se disponha a abordar publicamente as suas “sombras”: essas zonas obscuras da alma que tantos negam ou simplesmente evitam. Ao fazê-lo, o Pe. Paulo Duarte não apenas rompe com estereótipos enraizados sobre a figura do clérigo, como desafia um dos grandes tabus que é a ideia da perfeição do ministro ordenado.
Com particular lucidez, o entrevistado sublinha a importância da psicoterapia como um espaço de escuta e integração da dor. Se muito já se afirmou sobre a espiritualidade como bálsamo para a alma, raramente se ouve, da boca de um sacerdote, que também ele necessita de auxílio psicológico. Neste gesto reside uma humanidade desarmante e uma pedagogia silenciosa, que é procurar ajuda, o que não é sinal de fraqueza, mas de maturidade e humildade. O seu testemunho desmistifica e dignifica, convidando todos, crentes ou não, a cuidar da própria interioridade com igual seriedade.
Outro ponto alto da conversa é a ênfase colocada na escuta ativa como fundamento do ministério sacerdotal. Antes de ser um transmissor de doutrinas, o padre é, nas palavras e na atitude do entrevistado, uma presença que acolhe e ouve sem julgamento. Uma escuta demorada, empática, desprovida de urgência, quase um ato contemplativo em tempos de ruído e aceleração. Neste silêncio habitado, ocorre algo de profundamente transformador por alguém saber-se ouvido, sem máscaras, sem pressas, sem defesas. E isso, hoje, é um autêntico milagre.
Com igual profundidade, o Jesuíta Pe. Paulo Duarte aborda a questão da finitude, esse confronto inevitável com os limites da existência. A sua reflexão não é carregada de melancolia, mas de sentido, porque reconhecer que tudo tem um fim não nos empurra para o desespero, mas para a intensidade da vida. A morte, compreendida como horizonte, devolve-nos ao essencial, ou seja, a gratidão, a urgência do amor, a clareza sobre o que realmente importa.
Num momento particularmente tocante da entrevista, o sacerdote partilha aquilo que mais o fascina na figura de Jesus, que é a sua proximidade humana. Um Messias que chora com os que choram, que caminha com os rejeitados, que entra nas casas sem cerimónia e toca as feridas de quem sofre. Não um deus distante, mas um Deus ferido, que se faz carne no quotidiano, sem jamais perder a verticalidade da transcendência. Esta imagem de Jesus, tão intensamente humana, como divina, constitui, para o entrevistado, a chave de leitura da própria espiritualidade que é uma via de acolhimento e reconciliação, onde a divindade se encontra no mais íntimo da condição humana.
A entrevista em causa não é apenas um momento mediático feliz. É, antes, uma interpelação decisiva, ou seja, que coragem é preciso para trazer à luz as próprias sombras; que urgência há em reaprender a arte da escuta verdadeira; que vital se torna aceitar o limite, para viver com autenticidade; e que belo é este fascínio por um Jesus humano e divino que não deixa ninguém indiferente.
Foi, no fundo, uma conversa delicada, lúcida e mesmo terapêutica. Para crentes, agnósticos ou simplesmente buscadores de sentido. A espiritualidade, recorda-nos o Pe. Paulo Duarte, não é fuga para o etéreo, mas descida concreta ao coração do humano. E por isso, ao escutá-lo, somos também nós convidados a descer um pouco mais fundo em nós mesmos.
Obrigado, Padre Paulo, por nos lembrar, com palavra e presença, que ser espiritual é, talvez, o mais humano dos caminhos.