Visita ao campo arqueológico montado na Igreja de Santo André devolve espaço à comunidade vilafranquense

Escavações terminaram mas o lugar continua visitável, pelo menos até ao fim do verão. Os trabalhos desenvolvidos pela equipa da autarquia são acompanhados pela ouvidoria de Vila Franca do Campo

A partir desta quarta-feira começa uma nova fase na história da igreja de Santo André que está a ser alvo de uma intervenção científica e multidisciplinar desde março deste ano cujo projeto é promovido pelo município, na ilha açoriana de São Miguel, e pela Diocese de Angra, proprietária do imóvel.

O projeto assenta numa investigação científica, valorização cultural, histórica, arqueológica e artística deste património da diocese de Angra, que autorizou os referidos trabalhos, como se lê no protocolo estabelecido entre as duas entidades. Os trabalhos são sempre acompanhados pela ouvidoria de Vila Franca do Campo.

“Esta Igreja diz muito à comunidade vilafranquense e seria uma pena que estivesse encerrada. Precisa de obras de conservação e restauro e a autarquia tem interesse em ajudar, até porque do ponto de vista turístico é um ponto de atração importante”, referiu Diogo Teixeira Dias, arqueólogo da Câmara de Vila Franca do Campo e até agora coordenador do projeto de investigação, ao Sítio Igreja Açores.

A Igreja de Santo André, situada no Largo Bento de Góis, conhecido como `largo das freiras´, na antiga Capital da ilha,  já foi ermida e depois convento, albergando várias comunidades de vida consagrada, é agora uma das atrações turísticas de Vila Franca que pode ser visitável a partir das obras de investigação, conservação e restauro que estão a ser implementadas.

Para o arqueólogo Diogo Teixeira Dias, seria importante que uma parte da história de Vila Franca que chega pela tradição oral , nomeadamente a ideia de que a primitiva Igreja Matriz de Vila Franca constitui parte do subsolo da de Santo André,  por ter ficado soterrada depois do terramoto de 1522, possa ser confirmada cientificamente.

“O que estamos aqui a fazer é ciência e não profanação ou caça ao tesouro” referiu ainda, sublinhando que este  projeto de escavação arqueológica junta várias vontades: a de conhecer melhor a história de Vila Franca do Campo, do ponto de vista cientifico e devolver à comunidade um espaço de referência que tem estado fechado há quase duas décadas.

“Temos necessidade imperiosa de escavar, de estar no campo e podermos relacionar os factos” afirmou ainda o investigador que até agora coordenou o projeto e que envolve ainda uma arqueóloga-antropóloga e uma conservadora-restauradora.

Durante as escavações,  entre os dias 14 e 25 de julho, num perímetro compreendido entre 3 metros de largura e 1,5m de comprimento, na zona do presbitério,  foram encontradas nove ossadas, que agora, a partir desta quarta-feira vão ser estudadas laboratorialmente para se identificar a quem pertenceram, intuindo-se que possam ser da família que mandou construir o templo. À época era prática comum ás famílias que mandavam construir ermidas utilizar esses espaços como panteão para sepultar os seus entes queridos.

Sendo uma Igreja com muitos detalhes em madeira precisa de obras de restauro, nomeadamente junto a um dos arcos da entrada. Possui também imagens de madeira, quase todas do século XVII, de forte inspiração franciscana que estão neste momento a ser também alvo de estudo e de restauro. Encontram-se em exposição no centro Cultural de Vila Franca do Campo.

“Muitas destas imagens são atribuídas aos mestres da Sé- os melhores da época- e outras vieram de Espanha e terão sido adquiridas de propósito para este espaço”, refere ainda o arqueólogo.

“Foi sempre nossa preocupação mostrarmos o que estamos a fazer e por isso toda a intervenção é visitável, quer as escavações, que contaram com a colaboração de elementos da comunidades- alunos da escola e professores- quer o próprio restauro da estatuária cuja oficina está aberta a quem visita a exposição”, refere ainda Diogo Teixeira Dias.

“O que estamos a fazer é uma espécie de dois em 1” refere, por seu lado, Daniela Cabral, doutoranda de arqueologia, natural de Vila Franca e ligada à Universidade de Coimbra.

“Há muita história neste espaço e nós o que pretendemos é dá-la a conhecer aos vilafranquenses e a todos os que nos visitam”, refere a arqueóloga que tem na sua formação uma forte componente antropológica o que lhe permitirá agora proceder ao estudo das referidas ossadas encontradas, trabalho que vai iniciar esta quarta-feira, dia 30 de julho.

“Estimamos que em julho do próximo ano possamos iniciar novas escavações para prosseguir em profundidade a nossa investigação, envolvendo uma vez mais a comunidade” refere ainda.

“Queremos envolver a comunidade local e os visitantes, mostrar-lhes o processo, para que compreendam a sua complexidade e se sintam parte dele, contribuindo, participando e apoiando. Duplica-nos o esforço logístico, porque uma escavação aberta ao público é profundamente distinta de uma escavação à porta fechada, mas acreditamos sinceramente que valerá a pena”, justificou Teixeira Dias.

As escavações arqueológicas foram realizadas após uma prospeção por georradar, que facilita a intervenção no terreno.

Segundo Diogo Teixeira Dias, em março foi feita essa prospeção por georradar aplicada à arqueologia (espécie de radiografia ao solo) – técnica que foi utilizada pela primeira vez nos Açores -, no forte do Tagarete, na Praça Bento de Góis (presume-se que tenha sido o primitivo centro histórico de Vila Franca do Campo antes do terramoto de 1522) e também no interior da igreja e terrenos do antigo convento de Santo André.

O trabalho realizado possibilitou “um planeamento mais cirúrgico” das intervenções arqueológicas a realizar nos próximos cinco anos no concelho, mas o município deu prioridade à igreja do antigo convento.

O projeto conta, ainda, com o apoio de diversas entidades científicas e culturais, públicas e privadas, como a Academia das Artes da Universidade dos Açores, o CHAM – Centro de Humanidades e a Fundação Sousa d’Oliveira.

“O maior desafio será agora angariar mais recursos para darmos continuidade ao projeto, restaurarmos a igreja – a começar pelo telhado – e garantirmos que nunca mais fecha portas”, referiu Diogo Teixeira Dias.

A Igreja, que até agora tem tido visitas guiadas com a presença de locais e turistas, vai prosseguir aberta, pelo menos até ao fim do verão. Quer o campo das escavações quer a oficina de restauro continuam a ser visitáveis, até porque se pretende que possam aparecer mecenas que entusiasmados por este trabalho possam ajudar na sua prossecução.

“Nós optamos por fazer de forma diferente: a Câmara avançou com um primeiro investimento e agora depois de mostrado o trabalho e a sua credibilidade, procuramos mecenas que possam ajudar a fazer o restante trabalho que é preciso”, afirma ainda Diogo Teixeira Dias.

“Estou convencido que se todas as autarquias fizessem o que estamos a fazer, o património poderia ser recuperado de forma mais séria e célere”.

Este trabalho  na igreja de Santo André é o terceiro de um conjunto que envolveu escavações no Forte do Tagarete e na Praça Bento de Góis, com a mesma finalidade de averiguar os pormenores da história de Vila Franca do Campo que chegam aos nossos dias pela tradição oral.

O monumento, que se encontrava fechado ao público, está classificado como Imóvel de Interesse Público desde 2008.

A igreja de Santo André integra o convento com o mesmo nome e a sua origem remonta à reconstrução da vila após o terramoto de 1522.

 

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