A arte ajuda a realizar um caminho de fé e facilita o diálogo da Igreja com o Mundo, defende o padre Nelson Pereira

Jovem sacerdote, estudante em Roma na Universidade Gregoriana, apresentou  conferência sobre “A Via da beleza: Itinerário de Fé e de Encontro”, no âmbito da Festa de Nossa Senhora do Carmo, no Faial

A preservação do património cultural e espiritual da Igreja seja na música, no património edificado ou no património móvel, nas diferentes expressões de cada época, é uma obrigação evangélica, referiu esta noite o padre Nelson Pereira numa conferência integrada na preparação da Festa de Nossa Senhora do Carmo, que se celebra no dia 16 de julho.

A conferência intitulada “Via da Beleza: Itinerário de Fé e de encontro” insere-se num programa vasto comemorativo desta festa maior da ilha do Faial, que tem esta quinta-feira o seu ponto alto com a inauguração do órgão de tubos da Igreja do Carmo, um sonho do seu reitor, concretizado através da ajuda de messenas particulares.

Numa diocese onde mais de 80% do património edificado é de cariz religioso, o padre Nelson Pereira lembrou o que o Cristianismo deixou ao longo dos séculos “edifícios de grande qualidade e beleza”, desde “as primeiras basílicas constantinas, ao românico, gótico e barroco, todas estes espaços envolvem-nos numa atmosfera de adoração, de recolhimento e de reconhecimento que estamos perante algo que é muito maior do que nós”.

“Toda esta riqueza arquitetónica que é depois adornada com outras expressões artísticas, como a escultura, a pintura e o entalhamento, surge pela consciência de que Deus vive também em templos construídos pelas mãos dos homens, por mais paradoxal que isto possa parecer. Por isso a Igreja, ao longo dos séculos, reuniu a melhor arte em torno do sagrado. Pintores, ourives e escultores realizaram autênticas obras de arte” disse ainda.

“Somos depositários de um gigantesco tesouro artístico. (…)Não se trata apenas de uma herança material, mas também espiritual. Os nossos templos e tudo o que eles contêm são um sinal visível da fé de um povo. São sinal da sua dedicação, do seu amor e da sua consciência de que para Deus nada é suficiente senão a maior das excelências que os homens possam edificar”, disse o sacerdote.

“O templo de Deus é um museu de histórias de vida e de fé, onde se constrói continuamente a bela história entre Deus e o homem” afirmou destacando que isso representa uma espécie de `caderno de encargos´ para as gerações presentes e futuras dentro da Igreja.

“É nosso dever sermos fieis conservadores destes espaços”, olhando simultaneamente para as expressões próprias deste tempo.

“Infelizmente, uma mentalidade minimalista e de «falsa modéstia» tende a invadir o espírito de muitos cristãos. Se é verdade que a Igreja deve ser «pobre para os pobres», isto não significa que deve deixar de preservar o património cultural e espiritual que lhe pertence. A sua conservação não é uma traição evangélica, pelo contrário, é uma promoção do encontro com Deus através da beleza da arte humana”, afirmou.

“Se a arte é expressão da beleza e pode-nos remeter à Beleza divina, então também a arte tem um papel importante na evangelização”, disse.

O turismo religioso

Numa reflexão sobre a beleza e a forma como ela se diz nas várias expressões artísticas, o padre Nelson Pereira, que serviu como vigário paroquial na Igreja Matriz da Horta e nos Flamengos, na sua primeira colocação em 2018, depois da ordenação, lembrou a importância deste património religioso no Turismo.

“Não deixa de ser interessante como no turismo de massa que hoje vivemos, as Igrejas são dos espaços mais visitados. Não deixa de ser belo como até os mais jovens turistas, ao entrarem numa Igreja, mudam o seu semblante e comportamento. Através da magnificência ou até mesmo na simplicidade da beleza dos templos que visitam reconhecem, mesmo não sendo crentes, que estão perante algo de grandioso que lhes remete para algo que está para além do ser humano”, disse reforçando a vocação evangelizadora da arte.

“Gostaria de exortar às comunidades cristãs e aos seus pastores que cuidem sempre do património que lhes foi confiado” sem cair na tentação de transformar lugares de culto em simples museus.

“Sabemos como a história do nosso país muitas vezes o Estado se apropriou indevidamente do património religioso” alertou, chamando a atenção para o risco destes espaços se tornarem “desligados de espiritualidade”.

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Alerta para o perigo da musealização das igrejas

“As nossas Igrejas não são museus, mas casas de oração e de celebração. A fé cristã não está morta, não é um objeto de expressão folclórica”, enfatizou.

“O património artístico cristão não pode ser privado da celebração de fé para a qual foi construído, mas deve sempre realizar a função para o qual foi criado”, disse ainda, depois de ter refletido sobre o papel da música na liturgia  que, em sua opinião, tem vindo a perder qualidade.

“Infelizmente em muitos lugares temos vindo a assistir a uma decadência da qualidade musical das nossas celebrações. Com a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, as línguas vernáculas obrigaram a composições novas e, muitas vezes, não houve a capacidade de promover e compor música de acordo com a exigência e dignidade que a celebração litúrgica merece ter” disse.

“A Igreja não pode acostumar-se com o ordinário, mas deve continuamente dar glória ao Criador através do engenho e da criatividade que se expressa na arte humana” afirmou ainda desafiando os cristãos a não se contentarem com o habitual ou com o medíocre.

A arte e o património promovem diálogo entre Igreja e o mundo

“A Igreja necessita de arte, mas não de qualquer arte. Também nós, como cristãos, não nos podemos acostumar com o habitual ou o medíocre. Devemo-nos empenhar na qualidade, não para nossa vanglória, mas para glória de Deus. A qualidade com que se serve na liturgia ajuda-nos a viver mais intensamente os mistérios que celebramos, ao mesmo tempo que é também expressão da seriedade e do louvor que prestamos ao nosso Deus”, afirmou o padre Nelson Pereira.

Na alocução que fez, e que partiu da valorização do conceito de beleza desde a antiguidade clássica, passando por teólogos como Agostinho de Hipona até aos documentos do magistério sobre o diálogo necessário e urgente entre a arte e a religião, o sacerdote que estuda em Roma deixou ainda uma palavra de saudação para o primeiro Museu de Arte Sacra da Diocese, situado na Igreja do Carmo, justamente a ´Casa Mãe” da festa que se celebra na Horta.

“Não posso deixar de tecer uma palavra de felicitação ao Museu de Arte Sacra da Horta que em boa hora foi reconstituído” disse o padre Nelson Pereira.

“É uma oportunidade que se abre na Igreja presente no Faial que consiste na valorização do património artístico religioso, sendo também uma importante plataforma de evangelização pela arte” afirmou sublinhando que “ um museu de arte sacra não deve ser um ente estático confinado apenas a mostrar o que tem entre quatro paredes, mas deve ser um espaço dinâmico”.

“Esta deve ser uma casa de encontro, de cultura, de diálogo com as novas expressões e sensibilidades artísticas para que aqui se gere verdadeiramente um «átrio dos gentios», porque a linguagem da beleza é universal”, concluiu.

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Programa da Festa de Nossa Senhora do Carmo

Esta quinta-feira, pelas 21h00, terá lugar o concerto inaugural do novo órgão de tubos da Igreja do Carmo, com um concerto do organista titular da Sé patriarcal de Lisboa, António Duarte.

O novo instrumento foi adquirido na Holanda e foi montado pelo organeiro Pedro Guimarães.

No dia 15 de julho, às 20h30, haverá o concerto da Filarmónica Unânime Praiense e depois a actuação do Grupo Folclórico do Salão e, às 22h30, o grupo etnográfico de Castelo Branco.

No dia 16 de julho, às 11h00, a missa será presidida pelo padre Aurélio Sousa com a participação dos Carmelitas da ilha do Pico. Às 18h00, a missa solene da festa será presidida pelo Administrador Diocesano de Angra, cónego Hélder Fonseca Mendes, e  a animação será feita pelo Coro Stella Maris. Às 19h30 realiza-se a procissão de Nossa Senhora do Carmo com as filarmónicas Nova Artista Flamenguense e Unânime Praiense.

Às 20h30 atuará o Grupo de Chamarritas Amigos das Angústias e depois segue-se a atuação da Filarmónica Nova Artista Flamenguense.

No dia 17 de julho a festa termina com a missa dominical presidida pelo Reitor da Igreja do Carmo, que terá transmissão em direto na RTP 1.

Esta é uma das festas mais importantes da Horta e da ilha do Faial, que envolve sobretudo os irmãos carmelitas.

Construída no século XVIII e mandada edificar por D. Helena de Boim, esposa do então capitão-mor Francisco Gil da Silveira, a Igreja do Carmo esteve durante muitos anos à espera de fundos para o restauro, o que foi conseguido em 2018.

A Ordem Carmelita tem mais de 200 irmãos ativos sendo considerada a maior dos Açores, neste momento.

Nossa Senhora do Carmo (ou Nossa Senhora do Monte Carmelo) é um título consagrado à Virgem Maria. Este título apareceu com o propósito de relembrar o convento construído em honra da Santíssima Virgem Maria nos primeiros séculos do Cristianismo, no Monte Carmelo, em Israel. A principal característica desta invocação mariana é apresentar o Escapulário do Carmo, símbolo que representa o acto de se estar ao serviço do Reino de Deus e que traz muitas indulgências, graças e outros benefícios espirituais a quem assume este sinal e esta proposta como seus.

(Fotos de Fernando Manuel)

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