A igreja não se pode acomodar e tem de refletir sobre as suas próprias periferias

Dois sociólogos da Universidade dos Açores analisaram realidade social açoriana

Dois sociólogos do Departamento de História e Ciências Sociais da Universidade dos Açores analisaram esta tarde as periferias sociais e culturais da sociedade açoriana e deixaram o desafio à igreja para que “reflita” e “não se deixe acomodar”.

Lalanda Gonçalves e Fernando Diogo participaram numa iniciativa diocesana, integrada na Semana da Diocese de Angra, que está a comemorar 480 anos, que se realizou no centro Missionário de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, com o objetivo de ajudar o clero a identificar as periferias-materiais e existenciais- dos Açores.

“O desafio que o Papa Francisco nos lança é concreto: cada igreja local, integrada num determinado contexto deve refletir sobre si própria e encontrar as respostas adequadas para o desenvolvimento pastoral”, ressalvou o Bispo de Angra no inicio dos trabalhos.

Já o Vigário Episcopal para São Miguel disse ao Sítio Igreja Açores que “infelizmente não tem sido sempre uma prioridade da igreja esta saída pastoral” pois a igreja tem estado “mais preocupada com a manutenção e menos com a saída missionária”. No entanto, sublinha, “mesmo percebendo que não é fácil mudar de um dia para o outro alguma vez temos de começar a dar passos e este é muito importante”, disse o Padre Cipriano Pacheco.

Lalanda Gonçalves lembrou que a igreja, “pela lógica humana que tem” criou “ela própria muitas periferias na relação do clero, na relação com os  leigos, com as mulheres e com todos aqueles que não estão dentro do quadro da norma e por isso deve refletir e estar disponível para a mudança”.

Para o sociólogo da academia açoriana “o caminho da igreja é só um: o anúncio da boa nova e por isso, a sua ação tem de ser compatível com esta ideia”, ciente de que os problemas das periferias “nascem de uma certa estabilização dos sistemas culturais e sociais (as chamadas conservas culturais) que discriminam, afastam, desrespeitam e, acabam por pôr as pessoas fora da igreja”, sublinha o sociólogo que identifica vários tipos de periferias que “vão desde a interação pessoal a outras questões de natureza mais abrangente”.

Por isso, diz, “é preciso ir às causas genéticas percebendo porque é que as sociedades têm esta tentação de produzir periferias, depois encontrar os instrumentos para as identificar e, finalmente as soluções para as mitigar”, disse ainda o professor universitário ao Sítio Igreja Açores à margem da conferência formativa para o Clero, maioritariamente de São Miguel, mas com a participação dos ouvidores de todas as ilhas

“Quando o Papa Francisco diz que esta economia mata, o que ele quer dizer é que as regras e as normas em que os sistemas económicos estão fundados são profundamente injustos e criam imensas periferias e a própria morte; é para estes fenómenos que a igreja tem de estar atenta”, conclui.

Já Fernando Diogo insistiu nas periferias materiais salientando que elas se devem a opções de natureza política, tal como a crise.

“Não há qualquer crise económica; o que há é uma crise política com consequências económicas e sociais”, resultantes de várias circunstâncias como uma deficiente  distribuição da riqueza, um insuficiente desempenho da escolaridade, o desemprego ou a falta de crescimento económico, que sendo importante “não chega para evitar o crescimento de periferias”.

“O desenvolvimento económico tem de ser acompanhado por uma redistribuição de riqueza e uma capacitação de competências, só assim poderemos mitigar a pobreza e consequentemente esta periferia”, conclui.

“O grande desafio que se coloca à igreja é pensar de uma forma flexiva em  atividades que tenham uma influência na mudança de vida das pessoas. Uma coisa é a caridade; outra é desenvolver projetos que façam as pessoas autonomizar-se e esse é o grande salto que a igreja tem de ser capaz de dar”, conclui.

Esta iniciativa “formativa”, que partiu da exortação apostólica do Papa Francisco- A Alegria do Evangelho- que convida todos os cristãos a terem uma atitude missionária,  foi dirigida numa primeira etapa ao clero. Esta noite realizou-se uma segunda sessão, no Convento da Esperança, em Ponta Delgada, dirigida a leigos, religiosos e agentes de pastoral, em geral.

Também a Ouvidoria de Vila Franca do Campo realizou esta quinta feira o segundo momento formativo do seu plano pastoral, com uma conferência do Padre Miguel Tavares, pároco na Ajuda, Remédios e Pilar da Bretanha, sobre o documento do Papa Francisco.

No dia em que a Diocese assinalou os seus 480 anos, Nuno Martins e Diana Costa fizeram comunicações do género, em Angra do Heroísmo.

Scroll to Top