Por Carmo Rodeia
Vivemos na era digital. Como é que este facto tem vindo a afetar as nossas relações sociais? Muita da partilha que fazemos atualmente fazemo-la através do ecrã, mas parece que, às vezes, nem para isso arranjamos tempo. O pior é mesmo quando as partilhas geram discórdia e as caixas de comentários ficam em alta. Literalmente!
Não tenho muitas dúvidas de que há uma ambivalência nas novas tecnologias que tanto podem ser uma ferramenta útil como um veneno reles, constituindo um problema em vez de ser uma vantagem.
O saldo, como em tudo na vida, depende do equilíbrio no uso delas. O digital facilita conexões e o acesso à informação, mas o uso excessivo e as interações superficiais podem gerar desafios como isolamento, ansiedade e polarização. Este é, porventura, o efeito mais nefasto na vida de uma comunidade digital, que se divide muitas vezes de forma maniqueísta. Portanto, é fundamental refletir sobre como utilizamos as ferramentas digitais para maximizar os seus benefícios e mitigar os efeitos negativos.
Esta semana fomos surpreendidos com uma notícia que dava conta de que um jovem de 18 anos corria risco de vida, depois de um internamento hospitalar na sequência de uma rixa que começou com uma troca de palavras mais acesa na Internet. O jovem e os seus companheiros de grupo terão marcado um encontro para resolverem o que não conseguiram na internet (ou que a rede exacerbou) e a agressão física foi o corolário de vários insultos, ameaças e agressões verbais no espaço digital.
Naturalmente, que este é um caso extremo e, por isso mesmo, faz soar todas as campainhas. Não vou comentar diretamente este caso porque não o conheço nem tenho informação suficiente para além do que ouvi e li nas notícias. Apenas procurarei refletir de forma direta as questões que o digital me levanta, sobretudo atendendo a que sou uma nativa analógica, que procura converte-se ao digital por força da obrigação profissional.
A digitalização trouxe novas formas de socialização e acesso a redes globais, mas também levantou questões sobre a superficialidade nas relações e a alienação, permitindo muitas vezes comentários e tomadas de posição extremas. Muitas plataformas permitem que as pessoas interajam de forma anónima, ou com perfil falso, o que pode incentivá-las a dizer tudo sem limites, pois estar fisicamente distante dos outros dá uma sensação de proteção, o que pode tornar as pessoas mais confiantes e, por consequência, mais ousadas, por vezes perigosamente ousadas.
As redes sociais, pelo seu lado voyeurista incentivam, por outro lado, a exposição pessoal, e na maioria das vezes as pessoas sentem-se como que pressionadas a compartilhar partes de suas vidas, porque se não estão na rede parece que deixam de ser vista e tidas em conta. Isso levanta problemas de privacidade para além do stress de querer impressionar, criando uma imagem e um mundo que muitas vezes não corresponde à realidade e até desperta reacções contraditórias naqueles a quem este mundo idílico é apresentado. O julgamento pela aparência ou popularidade online é ditatorial para algumas pessoas condicionando-as em todas as dimensões da vida. Além disso, o digital pode criar bolhas de informação, onde as pessoas são expostas apenas a conteúdos que confirmam as suas crenças e preconceitos. Isso aumenta necessariamente a polarização e dificulta o diálogo entre indivíduos com diferentes pontos de vista.
Bastará abrir as diferentes redes, sobretudo o Facebook e a rede social X para perceber que, no geral, são poucas as balizas para garantir a decência e o direito ao bom nome e à imagem. Mesmo quando não somos `postadores´ frequentes e assíduos…
A comunicação faz-se de forma rápida mas também muito fragmentada, o que necessariamente reduz a profundidade das relações humanas e o vínculo emocional entre as pessoas. Isto é, apesar de conectar pessoas virtualmente, o uso excessivo de dispositivos digitais pode levar ao isolamento social. Muitas pessoas, especialmente jovens, podem acabar preferindo interações online a encontros presenciais, o que afeta a capacidade de se relacionar no mundo físico, fazendo com que o único estímulo a que se sabe reagir é ao like.
O Papa Francisco tem tecido profundas reflexões sobre as redes sociais, sobretudo no âmbito das mensagens publicadas por ocasião do Dia Mundial das Comunicações Sociais, celebrado anualmente no domingo anterior ao de Pentecostes. E tem levantado questões éticas e sociais, expressando preocupação com a crescente polarização que a internet, especialmente as redes sociais, pode amplificar. Ele alerta para o facto do ambiente online muitas vezes encorajar a intolerância, a agressividade e a falta de diálogo construtivo, levando à fragmentação da sociedade. Mesmo assim, nunca descura duas premissas: a Igreja precisa estar presente nas plataformas digitais para evangelizar e levar conforto espiritual às pessoas, mas deve fazê-lo de uma maneira criativa e com valores. De forma realista, diria que as plataformas digitais podem ser instrumentos de evangelização, que promovam a inclusão social, ajudando a dar voz a quem não a tem e informação a quem tem dificuldade em aceder-lhe.
Às vezes pergunto-me se Jesus tivesse tido acesso à internet no seu tempo como a teria utilizado e chego à conclusão de que tal como utilizou as formas de comunicação disponíveis na época- a palavra falada, as parábolas- para transmitir a sua mensagem, procurando alcançar todos, todos, todos com a sua mensagem de esperança e salvação- se não de que serve essa sugestão de ide pelo mundo e anunciai a boa nova?- então também teria usado a internet para alcançar muitas mais pessoas.
Gosto de acreditar que tal como Ele multiplicou o pão e os peixes para alimentar a multidão, também a internet servirá sempre para multiplicar o impacto das suas acções e ensinamentos, incentivando o cuidado e o serviço ao outro e a capacidade de escuta: quem puder e quiser ouvir, que ouça. O maior problema que enfrentaria era o de assegurar que a clareza e a profundidade dos seus ensinamentos fossem mantidos sem qualquer adulteração. Muitas vezes não vemos isso nos conteúdos que produzimos, dentro e fora da Igreja. E como seria importante …
Nenhuma tecnologia é neutra mas se todas fossem utilizadas com critérios éticos, para construir positivamente o bem comum, o mundo digital seria francamente melhor e dificilmente alguém chegaria a uma cama de hospital por causa da internet.
(Este artigo foi publicado também na edição do Correio dos Açores desta sexta-feira)