Com a Inteligência Artifical “corremos o risco de não ter nada de novo para o mundo” afirma Maria do Céu Patrão Neves

Foto: Igreja Açores/PG

Presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida foi a oradora da nona Conversa da Sacristia, promovida pela paróquia de São José

A eficácia, que se transformou no valor primordial da sociedade contemporânea, torna a Inteligência Artificial(IA) um potencial perigo para a preservação da liberdade, criatividade e tolerância, afirmou esta quinta-feira a presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida na nona Conversa da Sacristia, promovida pela pastoral da Cultura da paróquia de São José, em Ponta Delgada.

“As novas tecnologias não são neutras. Hoje sempre que se fala de IA fala-se em ferramenta, mas a ferramenta é o objecto inerte desprovido de agência. A ideia de que a IA é uma pura ferramenta é um engano;  a sua existência tem moldado o modo como vivemos e nos relacionamos”, afirma Maria do Céu Patrão Neves.

A professora catedrática de Ética tomou como ponto de partida para a reflexão a mensagem do Papa para o 57º Dia Mundial da Paz, que se celebrou a 1 de janeiro, na qual Francisco alertava para a presença da IA na vida das sociedades contemporâneas realçando,  em simultâneo, o valor instrumental das novas tecnologias mas alertando para os perigos do seu uso, sem ter por base valores éticos fundamentais. O Papa exemplificava a questão da guerra, lembrando que a IA tanto podia ser um instrumento ao serviço da Guerra como ao serviço da paz, dependendo do uso que dela se fizesse.

“Em vários domínios da nossa vida – comunicação social, sistemas laborais, política ou educação-  há uma questão ética comum: elegemos como valor da contemporaneidade a eficácia. Antes vivíamos sob o valor da dignidade humana, da equidade, da justiça social, da liberdade, da igualdade, da solidariedade e hoje vivemos sob o valor da eficácia… Temos de ser eficazes” diz Maria do Céu Patrão neves.

“Tendo em conta este valor- prossegue-,  temos a clara percepção de que qualquer área em que nós trabalhemos, a IA pode intervir e vai fazer mais rápido, com menos erros e vai ser mais eficaz e se o valor da eficácia é o valor da contemporaneidade então nós estamos todos obsoletos, estamos todos ultrapassados”, prossegue a professora da Universidade dos Açores alertando para os perigos da sedução do progresso tecnológico.

“O progresso científico não conduz imediata e necessariamente ao bem. Percebemos hoje, como no passado, que  é assim e, por vezes, caímos na tentação de aderir ao novo só porque é novo , esquecendo-nos que o novo pode ser bom mas também pode ser mau” refere a investigadora, enumerando uma série de consequências para a humanidade.

“A IA facilita em termos de eficácia, mas onde fica a inovação, a novidade , o  trazer algo de novo ?” interpela.

“Há uma criatividade inerente a cada ser humano que é irrepetível e que pode ficar comprometida quando substituímos o nosso pensamento pelo de uma máquina” enfatiza.

“Corremos o risco de não ter nada de novo  para o mundo” ficando “reduzidos” nas nossas “competências”, porque deixamos de fazer e na nossa “liberdade”.

“Nós somos conduzidos em nome da eficácia, nas coisas mais elementares do nosso dia a dia,  para o que nos é mais próximo; por isso, cada vez menos, estamos expostos ao contraditório, tornamo-nos mais intolerantes e a sociedade fica mais polarizada, com os extremos a ganhar força” refere ainda Maria do Céu Patrão Neves.

“Quando nos fechamos nos nossos redutos e a IA alimenta as nossas convicções, sem permitir o exercício do contraditório, podemos ser eficazes mas não criamos espaços conjuntos onde a diferença possa ser aceite”.

A professora catedrática de Ética procurou em toda a sua intervenção “não diabolizar” as novas tecnologias, mas sublinhou a importância de que elas devem ser usadas com sentido critico, a começar pela capacidade de reconhecimento por parte do homem “dos seus limites e de que não pode tudo”.

“É isto que o Santo Padre denuncia:  esta ideia de que podemos controlar tudo, dominar tudo, ultrapassarmos  tudo e transformarmo-nos a nós próprios não serve. Precisamos de estar cientes dos nossos limites” lembrou, acrescentando que “os limites não nos atrofiam; criam-nos o espaço de crescimento”.

Maria do Céu Patrão Neves que é também vice-presidente do European Group of Ethics in Science and New Technologies, sublinhou o trabalho de regulamentação ética que está a ser desenvolvido pela união europeia, tornando a IA num instrumento de finalidade humana e não para a sua preversão. Durante a conversa abordou espaços concretos onde as tecnologias podem criar problemas de natureza ética como a defesa dos direitos de autor- ChatGPT- ou a categorização e numeralização de pessoas- o algoritmo- ou ainda as questões relacionadas com o fim de vida.

As “Conversas na Sacristia” são um projecto de evangelização e pensamento da fé através da cultura, das artes e da ciência, num processo de escuta, de acolhimento e de diálogo com todos, de uma Igreja de portas abertas para os sentidos, para a espiritualidade contemporânea, para a partilha da palavra, das sensações e das emoções, para “uma cultura inédita” que “palpita e está em elaboração na cidade”, como escreve o Papa Francisco, na Exortação Apostólica, “Evangelii gaudium”, sobre o anúncio do Evangelho.

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