Crentes e não crentes devem mobilizar-se numa agenda comum em prol de uma humanidade melhor

Série de programas da RTP Açores Igreja e Sociedade discute o papel da Igreja no pós pandemia

A Igreja católica deve ser capaz de adoptar linguagens novas adaptadas ao tempo presente de forma a combater uma certa marginalidade a que se sujeitou. A ideia foi deixada no primeiro de uma série de três debates levados a cabo pelo Instituto Católico de Cultura da diocese de Angra, numa parceria com a RTP Açores e o apoio do santuário do Senhor Santo Cristo e do Serviço Diocesano da Pastoral da Cultura.

“O tempo presente pede outras formas de dizer e de expressar culturalmente esta mesma fé. Entre os desafios da igreja está o de ser produtora de cultura, em vez de contradizer a sua catolicidade, sem ser unívoca”, mas “capaz de construir pontes como decorre do Evangelho” afirmou o padre José Frazão Correia, diretor da Brotéria e um dos participantes no debate emitido esta quinta-feira à noite pela RTP Açores, e no qual se procurou analisar se é possível ter fé hoje.

“Vivemos uma mudança épocal e esta mudança  pede liberdade, criatividade e ousadia à Igreja para não repetir práticas” referiu o sacerdote que foi provincial dos Jesuítas em Portugal.

“A Igreja tem de coalescer agendas” e “não insistir em agendas marginais” referiu por seu lado João Ferrão, professor da Universidade de Lisboa.

“A agenda da Igreja não pode estar desfasada das questões concretas do quotidiano” referiu o investigador que se assumiu como não crente, mas atento a estas questões da fé e da sua problematização.

“A coalescência de agendas leva, por outro lado, a uma Igreja mais cidadã” que em vez de enveredar por uma lógica de “trabalhar para” deve ter presente uma lógica mais inclusiva de “trabalhar com” e isso implica uma mudança significativa na atitude da Igreja, mobilizando crentes e não crentes, próximos e mais afastados.

“A Igreja católica marginalizou-se demasiado do quotidiano e deve repensar que não está só;  há causas comuns que é necessário combater e que exigem da Igreja uma leitura própria”, disse ainda.

No debate em que participaram ainda Joel Neto, na condição de ateu e Juan Ambrosio, teólogo e professor da Universidade Católica Portuguesa, a ideia central foi a de que a questão da fé é transversal à humanidade e hoje, debatê-la é pensar no que queremos fazer da humanidade que vivemos.

“Para chegar a Deus, ao seu mistério, temos de nos embrenhar na humanidade. Isto é, não se chega a Deus sem se chegar ao humano” lembrou Juan Ambrosio que defende para isso uma conversão a vários níveis: pastoral, cultural, ecológica capaz de impactar no mundo concreto das pessoas.

“Deus não está morto, assim como a história também não acabou. Eu gostava de ver a Igreja Católica mais embrenhada nos problemas concretos das pessoas” como sejam a pobreza, os problemas sociais do emprego, da educação ou da exclusão social, afirmou Joel Neto, escritor.

“Só é possível ter fé hoje; agora se a fé é vivida com categorias e imagens que dizem pouco ao hoje torna-se irrelevante pois a fé, tal como a concebemos, tem de trazer significado para a vida das pessoas” disse Juan Ambrosio.

“A opção crente tem que ser declinada na primeira pessoa: no singular e no plural”, isto é “tenho a experiência mas para que eu cresça tenho de a partilhar e vivê-la em comunidade” concluiu.

A ideia de um Deus ligado à vida e a experiência da transcendência, como premissa essencial da vida humana, foram duas das ideias defendidas neste debate, moderado por Carmo Rodeia, colaboradora do Sítio Igreja Açores e Jornalista.

“A minha grande crença é que é necessário ter fé hoje; é fundamental repor crenças mobilizadoras ao serviço de causas comuns: precisamos de mais espiritualidade e de mais humanidade” afirmou João Ferrão.

“Quando digo que é necessário ter fé hoje o que quero dizer é que todos nós, crentes e não crentes, temos trazer ao de cima crenças comuns que me mobilizem, nos mobilizem em torno de questões humana e esta é a questão principal”.

No segundo programa, a emitir no dia 12 de maio, discute-se o futuro dos jovens, com a reitora da Universidade Católica Portuguesa Isabel Capeloa Gil, o padre Norberto Brum, André Patrão e Bento Aguiar.
No último programa, a 19 de maio, debate-se a pobreza e os pobres de hoje, com Eugénio Fonseca, o padre Júlio Rocha, Maria do Céu Patrão Neves e Fernando Diogo.

A emissão todas as quintas-feiras, será por volta das 21h15.

“A humanidade vive ferida, enfrentando inúmeras ameaças. Depois da guerra pela saúde, durante dois anos, em vários sítios do mundo, hoje luta-se pelo poder dos homens, com guerras injustas ditadas pela fome do poder sobre o outro” refere a organização.

“As alterações climáticas, as migrações, o atropelo aos direitos humanos, a pobreza, o desrespeito reiterado da dignidade são problemas que tornam o mundo difícil de gerir. A “governança” global precisa de contar com a Igreja, que é a única instituição verdadeiramente global: presente em todo o mundo e em todos os estratos sociais” esclarece  sublinhando que é necessário refletir sobre o papel da Igreja na sociedade, junto dos mais jovens e, sobretudo, junto dos mais pobres .

“Poderemos ter voz político-moral neste mundo global? Qual é o nosso papel? O que esperam de nós? Que revolução precisamos de operar para desempenharmos esta missão tão imprescindível? Seremos capazes de propor ao mundo o verdadeiro rosto da misericórdia de Deus? Para ajudarmos precisamos de ser ajudados, precisamos de ouvir quem precisa de nós para juntos construirmos caminho” são algumas das questões que irão ser levantadas nos três programas: “É possível ter fé hoje?”; “Jovens, que futuro?” e “Quem são os pobres hoje?”.

“Depois de um tempo de privação, que deixou tantas vidas adiadas ou suspensas, ao longo da pandemia, é tempo de olharmos os estilhaços provocados na religião e na Igreja” dizem os responsáveis.

Em causa pode estar “o  esgotamento de um certo cristianismo histórico institucional” que “ não anula o desejo da espiritualidade que continua fecundo nas sociedades contemporâneas sobretudo na Europa”, mas que exige uma nova atitude por parte dos cristãos em geral.

“Será que o Cristianismo  está prestes a morrer? Que relevância publica resta para esta religião do livro? Que lugar temos para Deus, junto dos jovens, que olham para o futuro sem esperança; dos mais velhos que vivem um presente em solidão; dos mais pobres que se vêm cada vez mais à margem” são questões que estão no centro do debate.

 

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