Em redor do Sacrificio da Cruz

Por Francisco Maduro Dias

Quando era professor no liceu de Angra, em 1977, deparei-me com dois assuntos, quase seguidos e decidi ligá-los: Jean Jacques Rousseau e a Revolução Industrial.

No dia em que ia tratar o primeiro tema comecei com a conhecida frase “O Homem nasce livre e bom, no seio da natureza e é a civilização que o corrompe!”, fiz silêncio e, depois, pausadamente, disse: Isto é mentira! Há muita gente que continua a acreditar nisto, hoje em dia, e Rousseau podia estar convencido, mas o liberalismo selvagem, do século XIX, deve muito a esta e outras frases, ingénuas, sobre a natureza e o ser humano.

O novo coronavírus nada mais fez, agora, do que, de uma assentada, mostrar o quão selvagem é a natureza, o modo como é profundamente dura e implacável a sucessão dos dias. Um sistema, cujas razões de existência nos escapam, cabendo aqui lembrar a célebre conversa de Santo Agostinho de Hipona com o menino, na praia, quando este pretendia meter todo o mar na covinha que tinha aberta na areia.

O ser humano não nasce nem livre, nem bom e, muito menos, isso acontece no seio da natureza, porque ela não é mãe nem madrasta, muito menos tem sentimentos e pensar. É a cultura, na totalidade das suas formas e aspectos, que recobre, com um certo verniz, a selvajaria tremenda, implacável, que nos rodeia a todos.

Várias formas de espiritualidade foram-se esforçando por encontrar maneiras de restringir, de adoçar, de civilizar, em suma, essa enorme violência, quer entre os humanos quer na sua relação com a natureza.

Todas elas tinham presente a enorme fragilidade de um ser bípede, que demora anos a poder fazer algo parecido com o que um potro faz, poucas horas depois de nascer. Nessa linha ficavam-se pela enorme dependência do ser humano perante o que o rodeia. Os deuses eram, sempre, omnipotentes, rancorosos, e o ser humano, coitado, só podia ter medo.

Há cerca de 2000 anos o sacrifício de Jesus, a quem chamaram Cristo, na Cruz, é o mais profundo acto de civilização que conheço. Assumindo a Revelação, o Cristianismo transformou o ser humano de simples “barro da terra” num ser feito à imagem e semelhança de Deus e afirma, desde então, que Deus é amor. Precisamente o contrário da tal selvajaria natural, nada bondosa, proclamada por Rousseau.

Mesmo conscientes da nossa fragilidade e pequenez, somos chamados, também, a continuar, em permanência, a Criação Divina, essa sim amorável, e com um profundo sentido de grupo: “Uma alma que se eleva, eleva o Mundo, uma alma que se afunda, afunda o Mundo”.

Ouvi essa frase vezes sem conta e percebo-lhe o tremendo significado, agora, quando vejo tanta gente a cumprir a quarentena, a ficar em casa, a assumir, apesar da turbulência, que os outros são importantes.

Somos seres livres, Cristo referiu-o, várias vezes, mas a nossa liberdade não se rege pelo “tira-puxa” dos direitos da Revolução Francesa. Rege-se pela orientação, simples, apontada ao doutor da Lei e referida em Lucas 10, 25-28: “Faz isso e viverás”!

A chave para todas as crises está, como sempre esteve e estará, no Mandamento do Amor.

Felizes Festas Pascais

*Este texto foi publicado no Diário Insular e no Açoriano Oriental

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