Ficar para a história

Por Renato Moura

“O poder da Palavra é capaz de vencer a palavra do poder” era a importante e mobilizadora afirmação do Professor Adriano Moreira, aqui citada ainda há menos de um mês. Então, com 100 anos, ainda estava neste mundo; agora continua vivo.

A propósito da sua partida muito foi dito e escrito. Foram amplamente realçados e enaltecidos os seus excelentes dotes como homem, como professor, como investigador e autor, de forma geralmente consensual. Na política, ele, como qualquer outro, que teve a coragem de ter opinião diferente da maioria, vive sempre sujeito à controvérsia.

Adriano Moreira deixou legados exemplares. Vinco só alguns, pedagógicos.

Tinha uma dimensão pessoal evidente; também a mostrava ao honrar-se de porvir de uma família humilde e de ter origem numa aldeia do interior. Demonstrou como nem a pobreza, nem a origem, nem tão pouco a modéstia sempre mantida, impedem de se ter mérito e ascender na vida.

Assumiu por inteiro a missão ética de advogado na assistência jurídica à família do General Marques Godinho, num processo-crime contra o então Ministro da Defesa, arrostando com a previsível consequência de ser preso; como na realidade veio a acontecer.

Acreditando poder contribuir para a reforma da ditadura, aceitou ser Ministro do Ultramar. No mar das impossibilidades ainda assim aboliu o Estatuto do Indigenato, permitindo aos habitantes das então chamadas “colónias” a aquisição da nacionalidade portuguesa, com direito à educação e a fixarem-se e circularem em todo o território nacional. Em resposta à humilhação dos africanos, um gesto de humanismo cristão, que ficou para a história.

Quando Salazar o chama para lhe determinar a mudança de política, Adriano Moreira teve a hombridade e coragem de lhe retorquir: “Vossa Excelência acaba de mudar de ministro!”. Esta atitude é admirável. Quem já se terá imaginado político, com um lugar de destaque assegurado, e ter a coragem de em defesa dos princípios e dos valores e honrando os seus compromissos, se debelar contra o “dono” do poder, sabendo que a consequência é a perda do lugar? É um gesto que me causa muita emoção. Talvez se perceba como especialmente o interpreto, aprecio e exalto. É um gesto ainda hoje muito raro em política.

Os seus amigos, correligionários e admiradores permanecerão deslumbrados pela sua inteligência, pelo impacto das suas convicções; e inspirados pela sua estatura modelar. Foi e será sempre credor do respeito dos adversários ideológicos honestos.

Ficará para a história. Fica-se pelos feitos; e pelo que se foi.

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