Por António Pedro Costa

Gosto particularmente da língua francesa, resultado dos tempos de emigrante no Quebeque, pelo que aprecio com especial intensidade as melodias em francês. Vem esta asserção a propósito do meu interesse pelas músicas da cantora Zaz, uma daquelas artistas que nos deixam extasiados cada vez que a ouvimos.
No seu mais recente trabalho musical, Zaz oferece-nos “Que des liens”, uma canção que, sob uma simplicidade aparente, esconde uma meditação poética de rara subtileza sobre a condição humana contemporânea. Com uma única metáfora, o laço, esta francesa já famosa pela “Je veux”, compõe cada verso como um ponto de ligação entre seres, entre destinos, entre almas. Trata-se de facto de uma verdadeira ode à fragilidade, comum ao ser humano.
A temática do laço, que não são apenas nós apertados, mas fios ténues, resistem apenas na medida em que os reconhecemos e cuidamos. “Que des liens” sugere que o tecido da vida humana é feito não apenas de estruturas sólidas, mas também de emoções simbólicas e efémeras. Esta metáfora é, por isso, escolhida com rigor porque implica liberdade, reciprocidade e escolha.
A sua interpretação carrega uma autenticidade que ultrapassa a técnica da voz, pois ela canta como quem se ajoelha e se confessa. E é nesta vulnerabilidade que considero que a canção ganha força, ao recusar o individualismo que domina tantos discursos religiosos ou políticos, mas propõe uma ética do cuidar, da escuta, da ligação.
É impossível ouvirmos a canção “Que des liens” sem pensar na profunda e atual confusão do nosso tempo. A sociedade digital, com toda a profusão de contactos, que desvaloriza a verdadeira ligação entre as pessoas. Estamos ligados como que por fios dos algoritmos que nos aproximam apenas de quem pensa como nós. Mas Zaz fala e canta de laços reais, vividos, sensíveis, que exigem presença e entrega. A sua canção convoca-nos para um autêntico reencontro.
Zaz, ao cantar parece dizer-nos que a existência humana só se cumpre no encontro com o outro que está ao nosso lado. Os laços de que ela fala não são acessórios ou ornamentais, são a essência da nossa própria humanidade. A solidão absoluta seria não apenas triste, mas fatal.
O francês, língua por excelência da sensibilidade, reforça o carácter quase literário desta canção. A letra não proclama, insinua, não grita, mas murmura. Cada palavra parece escolhida com o cuidado de quem sabe que o que é frágil pode quebrar-se a qualquer instante. A própria música suave, despojada de excessos acompanha esta delicadeza sem nunca a trair.
Este tema integra o sexto álbum de estúdio da artista, intitulado “Zazie dans le métro”. Nesta música, Zaz afasta-se parcialmente dos arranjos dos seus primeiros trabalhos, adotando uma sonoridade mais introspetiva, onde cada palavra ganha protagonismo inusitado. “Que des liens” destaca-se pela sua força simbólica e pela delicadeza com que aborda temas tão profundamente humanos como a solidão, a empatia e o desejo de comunhão.
Zaz, nome artístico de Isabelle Geffroy, nasceu a 1 de maio de 1980, em Tours, França. Com formação musical em canto lírico, violino, piano e guitarra, cedo encontrou na canção francesa e no jazz os seus territórios naturais de expressão. Lançou-se internacionalmente em 2010 com o êxito «Je veux», que a consagrou como uma das vozes mais marcantes da nova canção francesa, ao mesmo tempo acessível e exigente, popular e poética. Ao longo da última década e meia, Zaz construiu um percurso artístico assente na autenticidade e na recusa da artificialidade. O mais importante para mim, como apreciador da sua música é a sua fidelidade a uma visão do mundo onde a emoção e a ligação humana continuam a ter lugar.
“Que des liens” é uma canção que se oferece como convite, porque reflete o que muitas vezes esquecemos de que somos feitos de encontros, de afetos, de histórias partilhadas. Convite, sim, porque nos desafia a refazer esses laços, com gestos pequenos mas significativos. Numa época de ruído e de dispersão, Zaz recorda-nos, com elegância, que talvez não precisemos de mais nada do que “des liens” para reencontrar o sentido da vida.