Responsável pela pastoral das migrações na Diocese afirma que os imigrantes que escolhem o país, “para trabalhar e viver dignamente” contribuem de forma “preponderante” para a sobrevivência da Segurança Social

Acabar com os mitos e esclarecer cabalmente a população “sem gritaria e aproveitamento político” e com um forte sentido de “acolhimento e proximidade” é o caminho para promover a dignidade dos migrantes, que procuram Portugal para viver, afirmou ao Sítio Igreja Açores a responsável diocesana pela Comissão da Pastoral dos Migrantes.
“É importante que as pessoas tenham consciência de que um migrante não quer vir para Portugal para viver de apoios sociais, ou seja, as pessoas querem vir para Portugal para trabalhar, para viver dignamente, para contribuir para o Estado. Não é um subsídio de 240 euros, provenientes do Rendimento Social de Inserção, que atrai uma pessoa a mudar de país. E isto é importante que se esclareça, porque só desta forma é que nós vamos conseguir ver as pessoas migrantes como uma parte integrante da nossa sociedade”, refere Ana Silva em declarações ao Sítio Igreja Açores no contexto do Dia do Migrante, assinalado no passado domingo, com o Jubileu dos Migrantes em Roma.
Ana Silva reconhece que os “extremismos” e os “nacionalismos que atravessam todos os países” da Europa à América, obrigando os estados a reverem as respetivas leis dos estrangeiros, só “acalmam” quando a ótica é económica, isto é, “quando se dão conta de que precisam de mão de obra”.
“Quando fazemos a discussão, são sempre critérios economicistas e categorias económicas e nunca de humanidade” refere a responsável pela Pastoral das Migrações, que alerta, contudo, para um dado menos conhecido: os imigrantes são hoje um contributo líquido “preponderante” para o financiamento da Segurança Social.
“O contributo que os migrantes têm para a Segurança Social portuguesa é preponderante para a nossa sobrevivência. Em cada 100 pessoas estrangeiras, 87 contam para a Segurança Social. E quando fazemos a conversão para pessoas nacionais, para portugueses, em cada 100 apenas 48 o fazem”.
“É um contributo efetivo em termos económicos, em termos sociais, em termos culturais, religiosos, de que nós não podemos abdicar de forma alguma”, sublinha.
A propósito da nova Lei dos Estrangeiros em Portugal, Ana Silva diz que muitos migrantes têm a vida “suspensa”.
“A vida das pessoas migrantes que vivem em Portugal está suspensa por questões políticas. Esta incerteza política está a fazer com que a vida das pessoas esteja neste suspense diário, porque elas não sabem o que é que vai acontecer. E o não saber faz com que, em termos da sua própria saúde mental, esteja numa total instabilidade, sujeitas àquilo que vai ser a decisão do partido da A,B,C ou D e às implicações que isso terá”.
E, prossegue: “Quem queira, neste momento, iniciar um processo de regularização documental ou trazer os seus familiares, porque é um direito humano que têm, o direito ao reagrupamento familiar, a verdade é que esta incerteza em que vivem atualmente faz com que não saibam o que podem ou não podem fazer. E muitas destas pessoas que tinham processos extremamente completos para dar início ao seu processo, por exemplo, de trazer um filho ou a esposa, neste momento não sabem o que podem fazer porque estão dependentes daquilo que vêm a ser as alterações.”.
“Nós não podemos usar a vida das pessoas desta forma e em troca de votos, porque não é uma troca justa de todos, é desigual, além do mais coloca as pessoas numa situação de grande vulnerabilidade e fragilidade, porque quem do outro lado não tem a informação correta, vai deturpar e vai pôr o migrante sempre numa posição de inferioridade face à sociedade ou às pessoas que são naturais do nosso país. E isto naturalmente que é, para além de injusto, é indigno e não podemos de todo compactuar com estas atitudes”, afirma Ana Silva que recorda que “tudo isto ainda é mais incompreensível” dado que Portugal, e os Açores em particular, sempre foram agentes de emigração, nomeadamente nos Estados Unidos.
Diante deste cenário real, a Igreja tem um papel “importante”.
“A Igreja tem de ser um espaço de diálogo, porque a verdade é que todas as pessoas que frequentam a Igreja ou que participam em atividades ligadas à religião, também têm aqui um voto importante nesta matéria em termos do acolhimento, porque quanto mais pessoas estiverem sensibilizadas, quanto mais pessoas estiverem abertas a esta diversidade, a estes movimentos que estão a acontecer, serão mais pessoas aqui de alguma forma a difundir a importância de acolher. Porque acolher é um passo, mas a seguir ao acolhimento nós temos que integrar”, afirma a responsável.
“Qualquer cristão tem esta missão de acolher, de integrar, de ouvir, de aceitar. Mas a verdade é que nós não podemos ficar só para as palavras, temos que passar às ações. E estas ações acabam por ser diárias nas nossas comunidades, na forma como acolhemos, nos quartos que cedemos para alugar, na forma como humanizamos muitos destes espaços que ficam ao dispor dos migrantes para poderem viver”, enfatiza.
“Se queremos efetivamente promover aqui uma sociedade que é respeitadora dos direitos humanos e que é uma sociedade acolhedora, nós temos que aceitar esta diversidade. Temos que trazê-la para junto de nós, mas trazê-la de forma digna, de forma respeitadora e não apenas quando nos dá jeito”, sublinha ao recordar que nos Açores “não há histórico de nenhum problema causado pela diferença religiosa”.
“O que nós assistimos é uma predisposição das pessoas que vêm para os Açores de respeitar as práticas culturais e religiosas aqui praticadas, sem nunca deixar de praticar também os seus hábitos. E este respeito é a prova viva de que as pessoas migrantes vêm para os Açores para acrescentar e nunca para retirar”, diz ainda.
No Jubileu dos migrantes, começando por referir o complexo contexto atual com várias guerras a afetar a humanidade, o Papa Leão XIV recordou na sua mensagem para o 111.º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado os milhões de pessoas obrigados “a deixar a sua terra natal em busca de refúgio noutros lugares”.
Leão XIV escreve neste texto: “E é certamente a busca da felicidade – e a expetativa de a encontrar noutro lugar – uma das principais motivações da mobilidade humana contemporânea. Esta ligação entre migração e esperança revela-se claramente em muitas das experiências migratórias dos nossos dias. Muitos migrantes, refugiados e deslocados são testemunhas privilegiadas da esperança vivida no quotidiano, através da sua confiança em Deus e da sua capacidade de suportar as adversidades, em vista de um futuro em que vislumbram a aproximação da felicidade e do desenvolvimento humano integral”. Nessa busca de felicidade, “os migrantes e refugiados erguem-se como mensageiros de esperança” e portadores da mensagem de Jesus Cristo.
A concluir a mensagem, o Papa declara: “por ocasião deste Dia Jubilar, em que a Igreja reza pelos migrantes e refugiados, quero confiar à proteção maternal da Virgem Maria, Socorro dos migrantes, todos os que estão a caminho, assim como aqueles que se esforçam em acompanhá-los, para que Ela mantenha viva nos seus corações a esperança e os sustente no seu empenho em construir um mundo que se assemelhe cada vez mais ao Reino de Deus, a verdadeira pátria que nos espera no fim da nossa viagem”.