O Evangelho tem de ser uma “uma esperança libertadora” diz o responsável pela pastoral da saúde

Pe Paulo Borges inaugurou X Jornadas Bibíblicas dos Açores com uma conferência sobre a Alegria do Evangelho e o Futuro da Família Cristã, na Terceira

Ninguém está eternamente condenado a ser “escravo” e “oprimido” e tal como os povos da antiga Babilónia, que nunca deixaram de acreditar,  também hoje “devemos” estar “abertos” à “boa nova do Evangelho” que deve ser comunicada em primeiro lugar pela Igreja, disse o responsável pela Pastoral da Saúde, Pe Paulo Borges, no arranque das X Jornadas Bíblicas dos Açores, que se realizam nas ilhas Terceira, Pico e Faial, até ao próximo dia 26.

Com uma conferência intitulada “A Alegria do Evangelho e o Futuro da Família Cristã”, o sacerdote que é pároco da Fajã de Baixo, na ilha de São Miguel, fez uma analogia entre  os tempos “duros, penosos e tristes” do  povo judeu, preso na Babilónia e os dias de hoje para explicar que o caminho para ultrapassar as dificuldades está na alegria do Evangelho, que “é a boa notícia”.

“A causa de Deus é a causa do ser humano, de todo o ser humano, feliz e pleno, começando, evidentemente, pelos mais pobres e marginalizados, os das periferias”, disse o sacerdote que baseou parte da sua intervenção nos desafios lançados pelo Papa Francisco na Exortação Apostólica onde apresenta “um programa de Pontificado”.

O Pe paulo Borges referiu-se aos desafios colocados pelo Santo Padre à igreja, que deve “ser a casa do Evangelho e não da doutrina”, “aberta e livre”, com “capacidade de denuncia”, onde “reine a alegria, a confiança e a esperança”.

“A Igreja tem de ser a “Casa do Pai”, o Deus que ama e perdoa sempre, e onde, por isso, as pessoas se sentem bem” e não “uma `alfândega´, controladora das pessoas e fiscalizadora das suas ideias”, atenta aos sinais dos tempos, referiu ainda o sacerdote.

“A Igreja tem de ser missionária, sair de si mesma, arriscar e ir ao encontro das pessoas, sobretudo das que vivem nas “periferias” geográficas e existenciais. Uma Igreja livre, capaz de denunciar profeticamente as injustiças do mundo”, sublinhou ainda o palestrante que inaugurou as X Jornadas Bíblicas dos Açores.

Depois, insurgiu-se contra algumas das permissas do mundo atual-  “ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira”- para lembrar que esta denuncia tem de ser feita pela Igreja que deve combater  “a ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano” porque  “o dinheiro deve servir e não governar”.

Na segunda parte da conferência, mais virada para a “família cristã”, ela própria “igreja doméstica”, o sacerdote começou por fazer uma tipologia das famílias a partir de um modelo definido por Frederich Engels, que apresenta o percurso da conceção de família desde selvagem, passando pela barbarie até à família monogâmica, para lembrar que é a matriz judaico-cristã  que “é responsável, pelo menos na história do ocidente, pela redução da conceção de família típicas da Antiguidade”. Falou da tradição romana e da estrutura patriarcal e apresentou o cristianismo como “religião da família” que  apresenta a “sua originalidade singular na relação inter-humana como capacidade de doação gratuita”  e liberta “ a familia para si própria”.

O sacerdote, sublinhou  que “a relação de alteridade, ou seja, o sair de si para ir ao encontro do outro é a relação fundante e orientadora da humanidade, que se realiza de forma mais originária na família”.

Mas , para isso, destaca o responsável diocesano, é preciso cultivar valores como a tolerância, o respeito, o dar-se ao outro de forma gratuita, seja na relação conjugal seja na relação parental.

O Pe. Paulo Borges mostrou-se, no entanto, preocupado com uma certa cultura “do descartável” e de “individualismo” em que não há tempo para a família, seja na relação com os mais velhos, seja na constituição de uma nova familia.

Hoje “a mulher participa no mercado de trabalho, a educação dos filhos é obrigação das escolas. Já os idosos começam a deixar de ser obrigação das famílias e passam a ser institucionalizados. O estado assumiu o papel paternalista, protetor e subsidiário”, recorda o Pe Paulo Borges.

“Se esta evolução for levada a um extremo, iremos verificar num futuro próximo,  um conceito de família que pouco terá de cristã”, concluiu. De resto, o sacerdote lembrou algumas mudanças no comportamento social como o adiamento do casamento e o dos filhos, em nome de um  projeto profissional.

O sacerdote lembrou, a este propósito, os números dos casamentos (católicos, civis e segundo outros ritos) – 31693, dos quais apenas 11576 são católicos- e o crescente aumento do número de abortos no Serviço Regional de Saúde- perto das três centenas- , o que “é o reflexo do rosto da nossa sociedade e de todos os seus dramas humanos, sociais, afetivos e espirituais”, deixando uma interpelação à igreja católica nos Açores sobre se “está ou não preparada para responder a estas inquietações”.

Levantou ainda a questão do divórcio, partindo  por um lado do Evangelho de Mateus e, por outro lado,  do instrumento de trabalho sinodal para sublinhar a necessidade de , “com frontalidade”, poder ser equacionado não como uma opção mas como uma solução para “certas situações”.

“No meu entender temos toda a legitimidade de, também hoje, levantar a questão: não será que pode haver razões ponderosas a serem equacionadas em que o divórcio se apresente como um possível caminho de solução de tantas pessoas poderem refazer as suas vidas, já mais maduros na decisão e sem o pesado manto da moral que esmaga o coração e a consciência, por um projeto de vida que falhou? Com certeza que sim!”, disse ainda o pe Paulo Borges.

De resto, o sacerdote lembrou que na Igreja Oriental Ortodoxa, essa possibilidade já é exequível e seria bom que se começasse a ensaiar “a via do perdão como experiência fundamental da vida familiar e a via para a reconciliação”.

As X Jornadas Bíblicas dos Açores, que começaram ontem em São Mateus, na ilha Terceira estão a debater  a “Alegria e a Força do Evangelho”, e têm como oradores os Padres Paulo Borges (Fajã de Baixo- São Miguel) e Teodoro Medeiros (Feteira- Ilha Terceira).

Ambos os sacerdotes são docentes no Seminário Episcopal de Angra, sendo que o Pe Teodoro Medeiros é professor de Sagrada Escritura e Literatura Hebraica e o Pe Paulo Borges é professor convidado para lecionar a disciplina de Pastoral da Saúde.

As X Jornadas Bíblicas dos Açores, organizadas pela Diocese de Angra, prolongam-se até dia 26, no Pico e no Faial, com os mesmos dois palestrantes sobre os mesmos temas.

Esta terça feira às 20h00 realiza-se uma segunda conferência – “A Boa Nova espalha-se; a força de um segredo”, a cargo do Pe. Teodoro Medeiros .

À mesma hora no Pico, começará a conferência do Pe Paulo Borges- “A Alegria no Evangelho; o grande fruto da obra de Deus” que decorrerá no Santuário do Senhor Bom Jesus do Pico, em São Mateus.

Na quarta feira será a vez de uma nova partilha, com os picoenses, desta feita a cargo do pe Teodoro Medeiros, que repetirá o essencial da sua conferência “A Boa Nova Espalha-se; a força de um Segredo”.

As duas conferências repetem-se no Faial nos dias 25 e 26, às 20h00 no Salão da Igreja Matriz da Horta.

As Jornadas Bíblicas dos Açores, destinadas sobretudo aos açorianos do grupo central, envolvem no total cerca de três centenas de pessoas e decorrem anualmente de uma forma descentralizada, procurando abranger o maior número de fieis.

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