“O Pe Manuel António Pimentel sempre soube combinar a fidelidade do Evangelho com a abertura ao mundo

Falecido há dez anos, o Pe Manuel António Pimentel é hoje recordado por um dos seus mais íntimos amigos, Pe Cipriano Pacheco. Serviu em duas dioceses- Setúbal e Angra-, foi professor, Vigário episcopal para a formação do clero e, sobretudo, um seguidor de Jesus Cristo, preocupado com a “qualidade evangélica” da ação da igreja

Agência Igreja Açores- 10 anos depois do falecimento do Pe Manuel António Pimentel, que memória guarda dele e qual foi o seu legado para esta diocese e para a Igreja de Cristo?

Pe Cipriano Pacheco– Considero o legado deixado pelo Pe Manuel António Pimentel bastante marcado pela preocupação de fazer do seguimento de Jesus o centro da vida dos cristãos e do exercício do ministério pastoral. Para ele, seguir Jesus Cristo, longe de ser um fardo pesado, era um caminho libertador, alimentado por uma procura assídua e contínua do conhecimento de Jesus Cristo como fonte de sentido e de vida autenticamente humana. Era um caminho percorrido num sentimento de serenidade, alegria e proximidade que ressaltavam do seu testemunho e do seu relacionamento, tanto com padres como com leigos de qualquer condição social. Revelava uma atenção preferencial pelos mais pobres e marginalizados. Do seu legado faz parte o seu apego às orientações do Concílio Vaticano II, que acompanhou de perto, até pelo facto de, na altura do Concílio, se encontrar a estudar em Roma.

Não sendo fácil condensar em palavras todo o seu legado, pode dizer-se que assumiu no seu discurso como no seu testemunho, o desafio com que está sempre confrontada a Igreja a saber: combinar fidelidade ao Evangelho com abertura ao mundo.

 

Agência Igreja Açores- Habitualmente é definido pelos amigos como “um homem livre que amava Jesus e seguia o Evangelho atendendo sempre aos últimos”. Como explica que um homem com este perfil tivesse sido tão incompreendido?

Pe Cipriano Pacheco– Neste aspeto, vejo o seu testemunho e o seu posicionamento na linha do que sempre aconteceu, ao longo dos tempos, mesmo na Igreja em relação a cristãos, teólogos ou até santos, seja por revelarem um modo de pensar diferente do estabelecido ou habitual, ou, também, por privilegiarem na prática pastoral uma opção pelos mais pobres e excluídos.

O próprio Jesus Cristo viu-se confrontado com uma tal problemática, como os evangelhos no-lo mostram com toda a clareza. O mesmo aconteceu com grandes nomes da história da igreja, tal como ainda hoje, felizmente, acontece com tantos cristãos pelo mundo fora. Expôr-se ao risco das críticas, incompreensões ou rejeições, desde que por motivo de entrega sincera ao que se sente como apelo evangélico, constitui a ousadia típica do testemunho cristão. Algo disso teve de enfrentar, por volta de 1975, em tempos de confusão o próprio Pe Manuel António Pimentel juntamente com outros colegas.

 

Agência Igreja Açores- Apesar do seu trabalho e da sua militância na pastoral operária era um intelectual da Igreja diocesana, um dos seus pensadores. Foi, no entanto, sempre muito desalinhado com o chamado poder dentro da hierarquia. Foi por opção própria ou a hierarquia nunca o soube estimar como ele merecia?

Pe. Cipriano Pacheco- Enquanto intelectual ou pensador da igreja diocesana, deixou muitos escritos de notável qualidade e pertinência. Tendo estudado Teologia Moral em Roma, precisamente na altura em que assistia a uma profunda viragem em marcha naquela área teológica, passando-se de uma visão puramente moralista e legalista a uma abordagem teológica-evangélica da relação humana com Deus. Neste sentido, a sua vinda para a Diocese foi determinante para uma nova compreensão da originalidade da fé cristã e da sua prática no quotidiano da vida dos cristãos.

Quanto ao seu “desalinhamento”, para usar a sua expressão,em relação ao “poder” dentro da hierarquia, eu diria que, em meu entender, ele só era “desalinhado” em relação a um “certo modo” de funcionamento do exercício do “poder” por vezes dentro da hierarquia. Ele estudou em Roma Direito Canónico, pelo que, para ele, não estava em causa estar contra o papel ou contra o poder dos responsáveis pela Igreja. O que o preocupava era a qualidade evangélica que devia distinguir o exercício do poder na igreja face a práticas mundanais do exercício do poder ou da autoridade. Nesta matéria, tudo levava a crer que ele tinha presente o aviso de Jesus Cristo, constante dos evangelhos, quando prevenia os discípulos para não irritarem no seu interior o modo de exercer o poder em voga entre os poderosos na altura. O aviso de Jesus era claro: “Entre vós não seja assim”.

 

Agência Igreja Açores- Hoje, até com o clima criado pelo próprio Papa Francisco que não se cansa de pedir uma igreja missionária, atenta aos últimos e ás periferias, o Pe Manuel António Pimentel teria outro lugar na história da igreja diocesana?

Pe Cipriano Pacheco– É certo que muitas das insistências e orientações de ordem pastoral reveladas pelo atual Papa estão muito próximas das preocupações que animavam o Pe Manuel António, desde a atenção aos pobres e excluídos até às diversas periferias de que fala o Papa Francisco. Pode mesmo dizer-se que, matéria de abertura da igreja para as realidades.  do mundo, a sua perceção da realidade social bem como o seu desígnio pastoral estavam adiantados para o tempo, revelando-se pertinentes para a situação em que nos encontramos e que atravessa o mundo dos nossos dias.

 

Agência Igreja Açores- O senhor Padre é ágora o líder do “movimento” dos Padres do Prado, que o Pe Manuel António Pimentel trouxe para Portugal. É um movimento que ainda faz sentido?

Pe Cipriano Pacheco- “Padres do Prado” é uma designação, não propriamente um “movimento”, mas uma associação de padres diocesanos ou seculares, nascida em França, por iniciativa de um padre da diocese de Lyon- Antoine Chevrier- beatificado pelo Papa João Paulo II. Em meados do século XIX, face a muitas alterações sociais, afetando aquela região e preocupado com o anúncio do Evangelho em circunstâncias diferentes e novas, bem como com a evangelização dos pobres e quantos constituíram as periferias sociais e existenciais naquela época, sentiu que deveria agir. Constatando a dificuldade de resposta eclesial às novas realidades, avançou com a proposta de oferta aos padres diocesanos de uma associação voltada para a formação e renovação respeitantes ao exercício do ministério pastoral. Para esse efeito propunha, como práticas importantes, o que designou como trabalho de “”Estudo do Evangelho” como essencial ao conhecimento e seguimento de Jesus, uma atenção especial aos mais pobres e uma procura de “vida fraterna” sacerdotal. Dado que um dos riscos a que estão expostos os padres diocesanos é o de se isolarem pessoal e pastoralmente, e como que entregues a si mesmos, não sendo eu líder desta Associação, mas apenas coordenador, julgo, no entanto, que bem entendida e praticada, a instituição fundamental desta associação continua a fazer todo o sentido.

 

Agência Igreja Açores- Estamos na abertura de um novo ano pastoral: As orientações vão no sentido de um conhecimento real e concreto do terreno por parte da igreja. Como é que analisa esta proposta do prelado diocesano?

Pe Cipriano Pacheco – A caminhada proposta parece-me fazer todo o sentido. Está na linha das preocupações do Papa Francisco, no sentido de levar a Igreja a sair ao encontro das pessoas e das novas situações e realidades que atravessam o mundo atual. Uma igreja mais missionária não pode ficar presa ao puro funcionamento eclesiástico, antes tem de se abrir à novidade dos nossos tempos. Daí a importância de conhecer o que se passa no terreno com vista a encontrar as respostas adequadas e evangelicamente inspiradas. Não será fácil consegui-lo de um momento para o outro mas impõe-se começar, abrindo-se ao contributo que pode ser dado por conhecedores da realidade social, inclusive, oriundos de áreas de conhecimento não propriamente dominadas pela Igreja católica. Sempre sem perder de vista que não haverá “saída missionária” autêntica sem abertura ao diálogo e ao acolhimento diferente

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