O que as mãos ocupadas por embrulhos esquecem

Por Carmo Rodeia

Entrámos no Advento, numa espécie de contrarrelógio (quatro domingos mas pouco mais de três semana) e assim iniciámos um caminho de preparação da festa que é o nascimento de Jesus. Como todas as festas esta tem de ser bem preparada, mas não será certamente com embrulhos e mais embrulhos, feitos ao som de uma música triste, que diz pouco sobre a dimensão deste acontecimento que vamos celebrar e mais sobre a chegada das renas e do Pai Natal, vindo diretamente da Lapónia, a metáfora dos tempos modernos.

O Papa Francisco, no primeiro domingo do Advento, pediu-nos para percorrer este tempo litúrgico com os olhos postos nas vítimas da fome e da guerra, aqueles que deslocados ou na intranquilidade daquilo a que ainda chamam de lar, não têm o que por mesa para si e para os seus quanto mais para embrulhar ou desembrulhar quinquilharia que a sociedade atual produz, alimentando a nossa insaciedade permanente.

O Papa convida-nos uma vez mais a viver este caminho, que nos separa da festa, centrados no é essencial que é a concretização do reino de Deus numa sociedade em verdadeira paz, sem mentira, onde todos possamos cuidar de todos. Por outro lado, neste tempo de espera, espera-se que nos concentremos na nossa preparação pessoal, para que Jesus possa nascer mais na vida de cada um de nós. E isso certamente não se faz nas grandes superfícies comerciais, onde encontramos viçosos pais Natal e nem sequer uma mirrada escultura do Menino Jesus.

Parar, fazer silêncio, e refazer laços são atitudes que podem trazer o sossego necessário para que recentremos a nossa atenção no que é essencial, e por conseguinte, vivermos melhor, fazendo nossa a simplicidade da gruta de Belém. Por vezes procuramos ser demasiado elaborados, ser muito completos e quase perfeitos. Aliás, dos maiores obstáculos na vida em geral, e na espiritual em particular, é a ideia ou desejo de perfeição, porque se apresentam como o anseio de sair para fora da nossa vida, imaginar uma outra vida, viver com a culpa ou a ideia de uma  vida que não é nossa. Gostávamos de não sofrer mas sofremos, somos postos à prova como num julgamento e sucumbimos; perdemos e ganhamos e voltamos a perder… Então para que serve o Advento? Talvez para interromper esta conversa da vida e nos centrarmos na própria vida, concreta de cada um de nós, sem culpas nem receios, sem egoísmos e sermos totalmente livres para acolher a vida tal qual ela é. Isso já era um passo de gigante no encontro com a vida.

No espaço de um mês a minha família direta ganhou mais duas vidas, com os nascimentos do Joaquim e da Beatriz, dois sobrinhos netos. As lamentações e as conversas interromperam-se para falarmos única e exclusivamente destas duas novas criaturas que vieram encher as nossas vidas, não como ornamentos mas como dois seres que precisam da nossa atenção e que clamam de forma silenciosa pela nossa protecção. Hoje e sempre.

Há dois mil anos, Maria, a jovem e doce mulher de José, com a toda a sua simplicidade, colocou o seu filho na manjedoura dos animais para o proteger do frio, mas também para mostrar que era daquela vida que nós nos tínhamos de alimentar. É com esta vida que temos de nos encontrar, e o Advento pode ser mais um tempo para isso, como se fosse mais uma oportunidade, sem perder de vista a vidinha mas concentrando-nos na Vida.

O que é o Advento? Julgo que não cometerei nenhum erro teológico se disser que é a preparação para esse encontro com a Vida, que nenhum embrulho proporciona, por mais enfeitado que seja o laço…

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