Pelo Reitor do Seminário de Angra, padre Emanuel Valadão vaz
Caro Papa Francisco,
Desde o primeiro dia da tua eleição dissestes-nos para o que vinhas, quando escolheste o nome de Francisco para presidir ao teu pontificado.
A tua primeira encíclica, o teu evangelho programático, foi muito clara quanto àquilo que o Espírito te inspirou para a Igreja e para o mundo.
Todos os outros teus escritos tiveram sempre uma tónica reformadora e provocatória, luzeiros de um fogo que arde sem se ver. Escreveste muito sobre aquilo que tinha a ver com a vida das pessoas, das famílias, da governança do mundo. Mas a tua vida disse muito mais do que aquilo que escreveste. Por isso, foste, és e serás um farol para este nosso mundo dilacerado por aquilo que sempre denunciaste.
Tocaste o coração dos buscadores de vida, de justiça, de dignidade, de teto, de terra, de trabalho, isto é, o coração dos mais pobres. Foste a sua voz, o seu pai, mas também colocaste-os no centro das atenções para que eles pudessem exprimir-se e levantarem ao alto os seus corações.
Disseste-nos que mesmo no vazio de uma Praça de S. Pedro, de uma solidão imposta por uma pandemia, não mora a desesperança. Atravessaste o lugar das multidões sozinho mas não solitário. Carregaste com a tua aparente fragilidade o mundo, que chorava e sofria pelo horror de um vírus quase invisível. Foi uma de muitas configurações da tua vida a Jesus Cristo.
Apreciei também muito o que disseste, por várias vezes, aos padres, dos quais faço parte e aos seminaristas. Recordo apenas algumas afirmações que trazem consigo uma aragem reformadora. Um deles foi quando te dirigiste aos seminaristas da arquidiocese de Agrigento em 24 de novembro de 2018:
“…No que consiste a espiritualidade do clero diocesano? É a diocesanidade. A diocesanidade tem três abordagens, três relações. A primeira é a relação com o bispo. Não se pode ser um bom sacerdote diocesano, sem a relação com o bispo. Segunda: a relação no presbitério. Amizade entre vós. É verdade que não se pode ser amigo íntimo de todos, porque não somos iguais, mas sim bons irmãos, que se estimam uns aos outros…
A relação com o bispo, o relacionamento entre vós e, terceiro: a relação com o povo de Deus. Somos chamados pelo Senhor para servir o Senhor no povo de Deus. Aliás, fomos tirados do povo de Deus! Isto ajuda muito!… Porque muitas vezes, quando esquecemos isto, decaímos no clericalismo e esquecemos o povo do qual saímos…
Caríssimos, o clericalismo é a nossa pior perversão. O Senhor quer que sejais pastores, pastores de povo, não clérigos de Estado”…
… Por favor, deixai-vos formar. O que os formadores pedem não são caprichos. Se não concordardes, falai sobre isto. Mas sede homens, não crianças; homens corajosos, e dizei ao Reitor: “Não concordo com isto, não o entendo”. É importante dizer aquilo que sentes. É assim que se pode formar a tua personalidade, para que tu sejas verdadeiramente um vaso cheio de graça. Mas se permaneceres calado e não dialogares, não revelares as tuas dificuldades, não disseres quais são os teus anseios apostólicos e tudo o que quiseres, se ficares calado, quando estiveres “cozido”, não conseguirás mudar. E a vida inteira é assim. É verdade que às vezes não é agradável que o oleiro intervenha de modo decidido, mas é para o vosso bem. Deixai-vos plasmar, deixai-vos formar. Antes da cozedura, porque assim sereis bons”.
O teu amor pelos pobres e por todas as periferias humanas não te foram dadas quando os teus irmãos te escolheram para seres Papa. Desde cedo deixaste que o Espírito Santo te introduzisse na dinâmica das bem-aventuranças. Foste alcançado, como Paulo, pela pobreza de Jesus Cristo.
Vieste “do fim do mundo” para nos ensinares a amar, como Jesus, todos os que há muito tínhamos esquecido.
A audiência que gentilmente me concedeste chegou ao fim, porque ainda tens muita gente para atender.
Mas, deixa-me ainda dizer-te, tu és um Papa com o coração de Jesus Cristo, cheio de compaixão; és a voz e o pastor dos pobres; és a maior expressão de uma nova forma de ser Igreja; por tua vontade, em obediência à vontade de Deus, quiseste configurar-te à Páscoa de Cristo: na crucifixão, morte e ressurreição.
Serei eternamente grato pela tua vida feita pão saboroso, perfume que exala o odor de Cristo; boa nova de uma esperança eterna.
Até sempre querido Papa Francisco.