O telemóvel

Por António Pedro Costa

Foto: Igreja Açores

Há quem diga que o telemóvel é a invenção mais democrática do nosso tempo, pois cabe no bolso, acompanha-nos em silêncio e, ao mesmo tempo, grita por atenção a cada vibração. Este pequeno retângulo de vidro e metal tornou-se um instrumento fantástico, quase mágico. Permite-nos falar com quem está longe, guardar memórias, consultar mapas, pagar contas, ler jornais, ouvir música e até abre remotamente as portas e controla a iluminação da casa. É a lâmpada de Aladino contemporânea, dado que basta deslizar o dedo e o mundo abre-se diante de nós.

Mas, neste mundo admirável, todo o feitiço, também tem o seu preço. O telemóvel, para muitos, é mais do que uma ferramenta e é um pequeno “deus” portátil. Reza-se diante dele, não com palavras mas com toques e olhares. Ao acordar, em vez de olhar para a janela e sentir o dia a nascer e dar graças a Deus por um novo dia, há quem olhe para o ecrã, em busca de mensagens, notificações, likes. No autocarro, no café, na fila do supermercado, há sempre uma “congregação” silenciosa de fiéis curvados, como se estivessem em profunda oração.

E quando alguém se esquece do telemóvel em casa, instala-se o drama. De repente, parece que o mundo acaba. O coração acelera: “E se alguém me ligar?”; “E se houver uma notícia importante?”; “E se perder uma fotografia?”. Vive-se, naquele instante, uma espécie de exílio. Muitos voltam atrás, mesmo correndo o risco de chegar atrasados ao trabalho. É como se tivessem deixado em casa não um objeto, mas um pedaço da própria identidade.

O curioso é que, há apenas vinte anos atrás, a vida seguia sem este companheiro inseparável. Encontrávamos as pessoas à hora marcada, as cartas chegavam dias depois, e ninguém morria por não ter uma fotografia imediata do almoço. O telemóvel trouxe comodidade, mas também trouxe uma autêntica dependência, que se torna numa verdadeira doença dos dias de hoje.

Esta dependência dos telemóveis é de facto um fenómeno que tem crescido nas últimas duas décadas. Com a rápida evolução da tecnologia, os telemóveis deixaram de ser apenas dispositivos para chamadas e mensagens, tornando-se ferramentas multifuncionais que integram redes sociais, entretenimento, trabalho, navegação, saúde e muito mais.

Contudo o seu uso excessivo, e muitas vezes compulsivo, interfere negativamente na vida diária da pessoa, seja a nível social, emocional, académico ou profissional.

No fundo, talvez o segredo esteja em aprender a conviver com este “deus” moderno sem lhe prestar culto absoluto. Usá-lo como ferramenta, sim, mas sem lhe entregar a alma, como o fazemos em cada instante da nossa vida. Porque, por muito inteligente que seja, nenhum telemóvel nos ensina a olhar nos olhos, a ouvir o silêncio ou a sentir a brisa de uma manhã sem notificações.

 

Scroll to Top