Papa completa década de eleição em momento marcado pelas sombras da guerra

Projeto de Igreja de «portas abertas» passa pelo Sínodo 2021-2024, que este ano vive primeira assembleia mundial

O Papa vai assinalar esta segunda-feira o 10.º aniversário de pontificado, num contexto marcado pelo que já qualificou como “terceira guerra mundial”, com preocupação particular pela Ucrânia.

A violência no leste da Europa marcou dezenas de intervenções de Francisco, desde 24 de fevereiro de 2022, quando começou a invasão da Rússia, levando-o mesmo a chorar, em público, ao recordar as vítimas da guerra, durante uma homenagem à Imaculada Conceição, no centro de Roma.

O Papa, que pondera uma visita a Kiev e Moscovo, adiada até agora, escreveu uma carta ao povo da Ucrânia, e já abriu as portas do Vaticano para eventuais negociações.

A 25 de março de 2022, o Papa uniu Fátima e o Vaticano num dia histórico, marcado pela consagração da Rússia e da Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria.

A oração pela paz foi presidida na Cova da Iria por um representante pontifício, o cardeal Konrad Krajewski e, na Basílica de São Pedro, pelo próprio Francisco.

Internamente, o Papa assumiu, numa entrevista a Elisabetta Piqué, repórter do jornal argentino “La Nación”, que quer dar um “lugar a todos”, dentro da Igreja, objetivo que tem orientado o projeto do Sínodo 2021-2024, iniciado com uma inédita consulta global.

A poucos meses do primeiro encontro mundial da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, Francisco aponta à continuidade da linha traçada pelo Concílio Vaticano II (1962-1965).

“Uma palavra-chave de Jesus é ‘todos’. Para mim, esta é a chave da abertura pastoral. Tudo dentro de casa. É um alvoroço, mas todos dentro de casa”, insistiu, desvalorizando eventuais “resistências” a este processo.

“Qualquer pessoa que participe de um Sínodo tem direito a voto. Seja homem ou mulher. Todos, todos. A palavra ‘todos’ é fundamental para mim”, adiantou também.

No ano em que a Igreja se despediu de Bento XVI, seu predecessor, falecido a 31 de dezembro de 2022, o Papa deu continuidade à reforma do Vaticano e da sua própria Diocese de Roma, além de manter a atenção centrada em dois temas fundamentais do pontificado: a luta contra os abusos sexuais e a crise dos refugiados no Mediterrâneo.

A 13 de março de 2022, o Papa promulgou a nova constituição ‘Praedicate evangelium’ (Pregai o Evangelho), que propõe uma Cúria mais atenta à vida da Igreja Católica no mundo e à sociedade, com maior protagonismo para os leigos e leigas.

Entre as novas lideranças, destaca-se a escolha do cardeal português D. José Tolentino Mendonça como prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação.

As últimas cinco viagens internacionais 

RD Congo e Sudão do Sul, 31 de janeiro-05 de fevereiro 2023

O Papa encerrou na capital do Sudão do Sul a sua visita ao mais jovem país de África, uma peregrinação ecuménica pela paz em que alertou para a crise dos refugiados. Antes, em Kinshasa, Francisco denunciou a “exploração sangrenta e ilegal da riqueza” da RD Congo.

Barém, 03-06 de novembro 2022

O Papa regressou à Península Arábica como “peregrino da paz e da fraternidade”, para deixar mensagens em favor do diálogo entre as religiões, vivendo dias de festa junto da comunidade católica local.

Cazaquistão, 13-15 de setembro 2022

Francisco associou-se ao VII Congresso de Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais, assinando a declaração comum pela rejeição da violência e do fundamentalismo religioso.

Canadá, 24-30 de julho 2022

A viagem apostólica ao Canadá, a mais longa de 2022, foi uma visita histórica, de seis dias marcados pelo ‘mea culpa’ de Francisco, perante representantes indígenas, pelos abusos cometidos no passado.

Malta, 02-03 de abril 2022

Depois de Lampedusa e de Lesbos, o Papa cumpriu em Malta uma nova etapa de peregrinação ao encontro dos migrantes e refugiados que atravessam o Mediterrâneo, em busca de um futuro melhor.

 

Em 2022, Francisco presidiu a um consistório em que criou o primeiro cardeal de Timor-Leste e promoveu um encontro geral do Colégio Cardinalício, para debater a reforma da Cúria Romana.

Outro momento em destaque foi 10.º Encontro Mundial das Famílias, que decorreu em Roma, de 22 a 26 de junho, com ligação às dioceses dos cinco continentes.

Na Itália, o Papa passou por Aquila, Matera e Assis, onde se encontrou com os jovens da Economia de Francisco.

A 25 de outubro, Francisco voltou ao Coliseu de Roma para encerrar o encontro inter-religioso pela paz, promovido pela comunidade de Santo Egídio, e em novembro visitou Asti, no norte da Itália, terra natal dos seus pais, que emigraram para a Argentina após a I Guerra Mundial.

Além de duas cerimónias de canonização, Francisco proclamou como beato o Papa João Paulo I.

Ainda em 2022, o Papa lançou o Jubileu 2025.

Francisco é o primeiro inscrito na Jornada Mundial da Juventude, de 1 a 6 de agosto de 2023, e divulgou já a mensagem que vai orientar o encontro de Lisboa.

Jorge Mario Bergoglio nasceu em Buenos Aires, capital da Argentina, a 17 de dezembro de 1936; filho de emigrantes italianos, trabalhou como técnico químico antes de se decidir pelo sacerdócio, no seio da Companhia de Jesus, licenciando-se em filosofia e teologia.

Ordenado padre a 13 de dezembro de 1969, foi responsável pela formação dos novos jesuítas e depois provincial dos religiosos na Argentina (1973-1979).

João Paulo II nomeou-o bispo auxiliar de Buenos Aires em 1992 e foi ordenado bispo a 27 de junho desse ano, assumindo a liderança da diocese a 28 de fevereiro de 1998, após a morte do cardeal Antonio Quarracino.

O primaz da Argentina seria criado cardeal pelo Papa polaco a 21 de fevereiro de 2001, ano no qual foi relator da 10ª assembleia do Sínodo dos Bispos.

Tem como lema ‘Miserando atque eligendo’, frase que evoca uma passagem do Evangelho segundo São Mateus: “Olhou-o com misericórdia e escolheu-o”.

O cardeal Jorge Mario Bergoglio foi eleito como sucessor de Bento XVI a 13 de março de 2013, após a renúncia do agora Papa emérito, assumindo o inédito nome de Francisco; é também o primeiro Papa jesuíta na história da Igreja.

O Papa fez, desde 2013, 40 viagens internacionais, nas quais visitou 60 países: Brasil, Jordânia, Israel, Palestina, Coreia do Sul, Turquia, Sri Lanka, Filipinas, Equador, Bolívia, Paraguai, Cuba, Estados Unidos da América, Quénia, Uganda, República Centro-Africana, México, Arménia, Polónia, Geórgia, Azerbaijão, Suécia, Egito, Portugal, Colômbia, Mianmar, Bangladesh, Chile, Perú, Bélgica, Irlanda, Lituânia, Estónia, Letónia, Panamá, Emirados Árabes Unidos, Marrocos, Bulgária, Macedónia do Norte, Roménia, Moçambique, Madagáscar, Maurícia, Tailândia, Japão, Iraque, Eslováquia, Chipre, Grécia (após ter estado anteriormente em Lesbos),  Malta, Canadá, Cazaquistão, Barém, RD Congo e Sudão do Sul; Estrasburgo (França) – onde esteve no Parlamento Europeu e o Conselho da Europa -, Tirana (Albânia), Sarajevo (Bósnia-Herzegovina), Genebra (Suíça) e Budapeste (Hungria), para o encerramento do Congresso Eucarístico Internacional.

Dentro da Itália, o Papa fez 35 visitas a 41 localidades, incluindo uma passagem pela ilha de Lampedusa e cinco viagens a Assis.

Entre os principais documentos do atual pontificado estão as encíclicas ‘Fratelli Tutti’ (2020), sobre a fraternidade humana e a amizade social; ‘Laudato si’ (2015), dedicada a questões ecológicas; a ‘Lumen Fidei’ (A luz da Fé, 2013), que recolhe reflexões de Bento XVI; as exortações apostólicas ‘Evangelii Gaudium’ (A alegria do Evangelho); ‘Amoris Laetitia’ (A alegria do amor), após as duas assembleias sinodais sobre a família, de 2014 e 2015; “Gaudate et Exsultate”, sobre o chamamento à santidade no mundo atual; “Christus Vivit”, dedicado aos jovens, após o Sínodo de 2018; e “Querida Amazónia”, na sequência do Sínodo especial dedicado a esta região, em 2019.

O Papa presidiu a 427 audiências gerais e a 552 orações do ângelus/’Regina Coeli’, assinou 76 cartas apostólicas, das quais 56 sob forma de ‘Motu Proprio’ e 39 constituições apostólicas.

No atual pontificado foram proclamados mais de 900 santos e santas – incluindo um grupo de 805 cristãos que morreram em Otranto (Itália), às mãos dos otomanos muçulmanos em agosto de 1480 – e mais de 1440 novos beatos.

O elenco inclui  incluindo várias figuras ligadas a Portugal: Francisco e Jacinta Marto, pastorinhos de Fátima, canonizados a 13 de maio de 2017 na Cova da Iria; D. Frei Bartolomeu dos Mártires (1514-1590), arcebispo de Braga, por canonização equipolente (dispensando o milagre requerido após a beatificação); o sacerdote português Ambrósio Francisco Ferro, morto no Brasil a 3 de outubro de 1645 durante perseguições anticatólicas, por tropas holandesas; o padre José Vaz, nascido em Goa, então território português, a 21 de abril de 1651, que foi declarado santo no Sri Lanka; e José de Anchieta (1534-1597), religioso espanhol que passou por Portugal e se empenhou na evangelização do Brasil.

Francisco convocou ainda oito Consistórios, nos quais criou 121 cardeais, entre eles D. Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa, D. António Marto, bispo emérito de Leiria-Fátima, e D. José Tolentino Mendonça.

O atual Papa criou, entre outros, o Dia Mundial dos Pobres, o Domingo da Palavra de Deus e o Dia Mundial dos Avós e dos Idosos.

(Com Ecclesia)

 

Scroll to Top