Porque somos tão “(des)esperançosos”?

Por Carmo Rodeia

Vivemos a terceira semana do Advento, tempo de festa, de alegria, de expetativa, mas sobretudo de esperança. Não aquela que chega todos os anos na véspera de Natal, numa ânsia de encontro com algo ou com alguém, que marca toda a existência humana, com ofertas consumistas. Ou sequer a esperança numa simpatia súbita, a que todos nos convertemos, só porque o tempo do calendário a isso convida.

Na carta encíclica “Salvos na Esperança”, Bento XVI a dado passo afirma “É verdade que quem não conhece Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida. A verdadeira e grande esperança do homem que resiste, apesar de todas as desilusões só pode ser Deus- o Deus que nos amou e ama, ainda agora até ao fim, até à plena consumação”.

O papa emérito propõe-nos uma relação do amor com a esperança e quem é atingido por ele, diz, tem sempre esperança. Por isso, se diz que a esperança cristã é fonte de amor, de perdão e de reconciliação.

Vem isto a propósito da homília que esta segunda feira o papa Francisco proferiu na Missa de Santa Marta, citando uma octogenária portuguesa que conheceu em Buenos Aires, ainda Cardeal Bergoglio.

Dizia o Santo Padre que a Senhora lhe tinha dito ”se não fosse o amor de Deus o mundo não existia”; porque “Deus perdoa tudo, só espera que nos aproximemos dele”, acrescentou.

Os olhos que veem isto são olhos repletos de esperança. Todos somos pecadores e todos precisamos da misericórdia de Deus. E Precisar dessa misericórdia é dizer que temos esperança para além dos problemas, das dores e dos achaques… para além dos nossos pecados.

O Papa concluiu a sua homília lembrando-nos que “Esta é a profecia que a Igreja nos oferece hoje: são precisos homens e mulheres de esperança, também no meio dos problemas. A esperança abre horizontes, a esperança é livre, não é escrava”, observou.

Vezes demais somos escravos da nossa própria rigidez. Premeditamos tudo. Organizamos a vidinha como se fosse para os outros e quando damos conta já não é nem a nossa vida nem a dos outros, porque já não serve a ninguém pura e simplesmente porque estamos todos fora dela, há tanto tempo.

A rigidez faz mal, ao homem, à mulher, à família, à igreja porque nos torna escravos e (des)esperançosos.

Tratamos o presente como se fossemos os donos disto tudo. Não somos. Mas esta presunção arrogante acaba por nos privar a nós próprios do tempo necessário para colher o sabor, o silêncio ou as cintilações que temperam a vida.

Nos atropelos constantes a que nos entregamos, alheamo-nos de nós mesmos.

“Não lhe damos o estatuto de patologia, mas esta desertificação da vida interior disfarçada de eficácia o que é senão isso?” indagava outro dia José Tolentino de Mendonça num texto publicado no blogue “Estrada Clara”.

Neste Ano da Misericórdia, existem dois caminhos: quem tem esperança na misericórdia de Deus e sabe que Deus é Pai; que Deus perdoa sempre, e tudo; que além do deserto há o abraço do Pai, o perdão. E, também, existem os que se refugiam na própria escravidão, na própria rigidez, e não sabem nada da misericórdia de Deus, e certamente, sem se aperceberem serão infelizes todo o tempo.

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