Santo Cristo dos Terceiros

Por António Pedro Costa*

Não fora a pandemia e a festividade em honra do Senhor Santo Cristo dos Terceiros realizar-se-ia neste primeiro domingo da quaresma e a sua veneranda imagem percorreria, como sempre, as ruas da cidade da Ribeira Grande. Esta bela imagem foi o elo inspirador no percurso ascético de Madre Teresa da Anunciada, cujo culto lhe foi incutido ainda em criança pela sua piedosa mãe, Dona Maria do Rego Quintanilha.

No antigo convento dos franciscanos, atualmente Museu do Franciscanismo, na Ribeira Grande, existe uma imagem curiosa, representando Jesus Cristo despido das suas vestes, durante a flagelação, que impressiona quem o observa, com o seu rosto triste e expressivo, tendo as mãos e o pescoço amarrados a uma coluna por uma longa corda, e com um vistoso resplendor, ornado de pedras preciosas. A flagelação era um prelúdio usual à condenação pela crucificação sob o antigo direito romano.

A enternecedora imagem de Cristo amarrado à coluna, no cruel ato da flagelação, determinado pelo governador da província romana da Judeia, Pôncio Pilatos, emocionava Teresa a tal ponto que provocou na sua alma sensível uma comovente veneração, que a acompanhou pela sua longa vida fora. Reza a história que esta Imagem do Senhor Santo Cristo dos Terceiros terá chegado numa embarcação ao Porto de Santa Iria, na Ribeirinha, a porta de entrada na Ribeira Grande e levado em procissão até à igreja dos Frades Franciscanos.

De facto, os sofrimentos de Jesus na sua flagelação despertaram em Teresa tão forte comoção que mesmo antes de ser freira, completou, já depois da morte da mãe, o noviciado da Ordem Terceira de S. Francisco, precisamente na Igreja dos Frades da Ribeira Grande. O livrinho de Santa Brígida, que ela acabou por decorar, é uma obra que muito a influenciou quanto às revelações e à Paixão de Cristo e a alimentara na sua caminhada religiosa. Este livro da santa sueca, que viveu e foi canonizada no século XIV, “Revelações”, a jovem Teresa apelidou-o de “Meditações” e deixou-lhe um vinco profundo na sua espiritualidade.

Desde criança, Teresa sentia uma grande inclinação para a solidão do seu quintal, para onde se retirava amiúde para, a sós, meditar e orar a Deus na sua simplicidade. Foi assim que se despoletou nela uma grande vocação para a vida contemplativa, culminando na sua entrada para a Ordem de Santa Clara então existente no Convento da Esperança de Ponta Delgada.

Acompanhava a sua mãe nas frequentes visitas à igreja de S. Francisco, ou igreja dos Frades, cuja padroeira é Nossa Senhora do Guadalupe, onde se encontra a sugestiva e veneranda imagem do Senhor Santo Cristo dos Terceiros, que comemoramos.

Após o falecimento de Dona Maria do Rego Quintanilha, Teresa ficou só com a sua irmã Joana e tinha no Senhor Santo Cristo dos Terceiros o retrato de Jesus ultrajado e tudo fazia para estar em oração junto daquela bela imagem, onde pedia ajuda celeste, dado que encontrava grandes entraves em conseguir realizar a sua vocação religiosa.

Como tal, fez uma singular toalha com as suas próprias rendas e no dia de Páscoa foi coloca-la, como promessa, no altar do Senhor Santo Cristo Flagelado, pedindo que pusesse os seus olhos nela e na soledade em que a mãe a deixara e a defendesse do irmão que queria demovê-la de ser freira e casasse. A par desta promessa, iniciou longas novenas à Mãe de Deus, cuja ermida, localizada no monte, ia visitá-la descalça, subindo a ladeira com os joelhos em terra, sangrando-os com o rigor das pedrinhas e com grandes suspiros lhe pedia em dar-lhe o Filho por esposo.

A sua simplicidade e humildade sempre a acompanharam vida fora e, como tal, ela nunca se aproveitou do prestígio decorrente das alegadas intervenções divinas, através da imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres, para passar a ser poderosa dentro do convento, pelo que nunca aceitou exercer o cargo de Abadessa e afirma, na sua autobiografia, escrita sob controlo dos seus confessores, que a hipótese de ser eleita a afligia sobremaneira.

É de realçar que em ambas as imagens, a do Senhor Santo Cristo dos Terceiros e a do Senhor Santo Cristo dos Milagres, Madre Teresa da Anunciada via o mesmo Cristo em dois momentos distintos da sua paixão, ou seja, Jesus flagelado e Jesus coroado de espinhos, escarnecido e rejeitado pelos homens. Assim sendo, não havida da parte dela nenhuma superstição relativamente a uma das imagens, porque nas duas, Cristo é humilhado, rejeitado e condenado, embora a dos Terceiros a tenha inspirado a venerar primeiramente a paixão de Jesus.

Foi o espírito franciscano que acabou por modelar e despertar em Madre Teresa da Anunciada a intensa veneração pela dolorosa paixão de Cristo. Como se sabe, a presença de franciscanos nos Açores vem desde os primórdios do povoamento destas ilhas e entre os finais do século XV e meados do XVII, a comunidade franciscana edificou 18 mosteiros em todas as ilhas, exceto no Corvo. A fundação do Convento dos franciscanos na Ribeira Grande está ligada ao desenvolvimento populacional e urbano da costa norte de S. Miguel, quando em 1592, Gonçalo Alvares Batateiro e sua mulher, Inês Pires, conseguem licença do bispo de Angra, D. Manuel De Gouveia, para construírem uma ermida sob a invocação de Nossa Senhora de Guadalupe.

Este ano, não haverá a procissão do Senhor Santo Cristo dos Terceiros pelas ruas da Ribeira Grande, celebração que costumava levar àquela cidade muitos forasteiros de outros pontos da ilha de S. Miguel. No entanto, realizar-se-á uma solene celebração junto da imagem que foi a primeira que aquela freira clarissa prestou culto, antes de entrar para o Convento da Esperança.

*António Pedro Costa é o diretor da Fundação Pia Diocesana de Nossa Senhora das Mercês, em São Miguel
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