Se compreendes Deus é porque não é Deus

O Portal da Diocese propõe, a partir de hoje uma série de reflexões sobre a Quaresma, feitas pelo Bispo de Angra, D. António de Sousa Braga. Hoje publicamos Imagens de Deus I.

IMAGENS DE DEUS I

«Se compreendes Deus é porque não é Deus»

Quaresma é caminhada de conversão a Deus. Além do resto, isso implica alguma «purificação» das imagens, com que representamos Deus, que nem sempre correspondem perfeitamente ao Deus vivo e verdadeiro, revelado por Jesus Cristo. Convido-vos, pois, nesta Quaresma, a descobrir o verdadeiro rosto do Deus de Jesus Cristo. É só desligar, por algum tempo, a TV e folhear a Bíblia, onde há a Revelação progressiva de Deus, inserida na história de um povo, até chegar a Cristo, plenitude da Revelação divina.

«Conveter-se» é voltar para Deus; é mudar de rumo e enveredar pelos caminhos que levam a Deus. Que «Deus» – podemos perguntar? Que imagem temos d’Ele? É a imagem do Deus cristão? Ou não será, porventura, um «ídolo», fabricado por mãos humanas?

É surpreendente verificar que vamos evoluindo, nos conceitos que temos das coisas e da realidade, enquanto sobre Deus contentamo-nos com algumas «frases feitas», aprendidas na catequese. Não é de admirar que, com o passar do tempo, se viva, como se Deus não existisse. «Como se pode ter de Deus uma imagem, que não resiste à comparação com a boa gente, que vamos conhecendo ao longo da vida? Que Deus é esse que não é preferível ao melhor dos nossos amigos…? Um Deus completamente antipático, repressor, exclusivista deste ou daquele grupo, um Deus que toda a vida foi de direita…, protector dos privilegiados, eclesiástico até dizer basta, 100% espírito puro» (José Luís Cortés, Um Deus Chamado Abba, Estrela Polar, 2003, p. 13).

Um «Deus» assim não existe.

Para falarmos humanamente de Deus, temos de recorrer a imagens e comparações. Mas, Deus transcende tudo o que pudermos pensar e dizer d’Ele. Se não nos transcendesse, não seria Deus  «Si comprehendis, non est Deus» – adverte Santo Agostinho.

«Se compreendes Deus é porque não é Deus». Como é profunda a riqueza, a sabedoria e a ciência de Deus – exclama S. Paulo! Como são insondáveis os Seus juízos e incompreensíveis os Seus caminhos! Quem conheceu o pensamento do Senhor? Quem foi o Seu conselheiro» (Rm 11, 33)?

Deus não é mito. É meta. É preciso procurá-Lo continuamente, sem nunca parar. Qualquer imagem de Deus só é válida, na medida em que nos levar a não pararmos nela, a irmos sempre mais longe, mais além, a continuarmos à procura. A imagem, que fazemos de Deus, não pode ser estática, nem fechada. É progressiva. Elaboramos a imagem de Deus, a partir do que consideramos melhor na vida. Muda a nossa ideia de amizade e de sabedoria, de felicidade e de bem estar. Como não há-de mudar e ser aperfeiçoada a nossa imagem de Deus, se nunca poderemos dizer: “já cheguei”! Ele é sempre “a outra margem”, “o Totalmente Outro”.

«Sede perfeitos, como o vosso Pai do Céu é perfeito» – recomenda Jesus. Então, teremos de procurar continuamente em que consiste essa perfeição, pela “via negativa”, como nos ensina S. Tomás de Aquino. De Deus só podemos saber o que não é, o que não pode ser de maneira nenhuma.

+ António, Bispo de Angra

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