A última grande fe.sta de verão num santuário dicoesana realiza-se este fim-de-semana. O povo e a hierarquia sempre estiveram de mãos dadas na organização de uma festa que é mais do que a celebração da padroeira, Nossa Senhora dos Milagres

Na encosta mais ocidental da Ilha Terceira, a Serreta guarda uma das tradições mais antigas e fascinantes do arquipélago: a Festa em honra de Nossa Senhora dos Milagres, que este ano cumpre 272 anos. Mais do que uma celebração religiosa, é um ritual de pertença, um encontro entre devoção, cultura e identidade açoriana.
Luís Fagundes Duarte, investigador, recorda que a história desta festa é marcada por paradoxos curiosos: a Serreta foi a última freguesia da ilha a ser povoada, no final do século XVIII, e, no entanto, desde 1763 que aqui se realiza uma festa que viria a servir de modelo para as celebrações paroquiais de toda a ilha Terceira e até do Grupo Central.
O ponto de partida remonta a uma lenda. Em 1690, um homem de nome Machado, pai de Isidro Fagundes, terá procurado refúgio na Serreta, levando consigo uma imagem de Nossa Senhora. A pequena ermida que construiu tornou-se, progressivamente, um lugar de peregrinação e, décadas mais tarde, fidalgos e burgueses angrenses instituíram a primeira festa em honra daquela que viria a ser venerada como Nossa Senhora dos Milagres.
A partir daí, nasceu uma tradição que combina missa e procissão com touradas, convívio popular e longas romarias a pé, de todos os pontos da ilha, na esmagadora maioria com sentido de peregrinação religiosa mas sem o carácter penitencial de muitas romarias que se fazem em São Miguel, por exemplo. O sagrado e o profano entrelaçam-se num equilíbrio que, segundo Fagundes Duarte, “é o segredo da sua continuidade quase tricentenária”.
Momentos marcantes ajudaram a moldar esta identidade festiva. Em 1849, criou-se a célebre Segunda-feira da Serreta, com uma tourada que ainda hoje é ponto alto das festividades. Já em 1901, os lavradores da freguesia organizaram o primeiro bodo de leite, distribuindo 1500 copos de leite a partir das suas vacas- 75 no total- reunidas junto à igreja — um gesto que se espalhou como tradição por toda a ilha.
A dimensão comunitária da festa é igualmente central. A Filarmónica da Serreta, com mais de 150 anos de atividade ininterrupta, dá o tom musical e simboliza a união entre freguesia, igreja e forças vivas locais.
“É uma festa conduzida pelo povo e para o povo, onde não há conflitos, mas sim colaboração”, sublinha Fagundes Duarte. Com quase três séculos de existência, a Festa da Serreta continua a ser, nas palavras do investigador, “uma combinação harmoniosa entre o sagrado e o profano, que reforça a identidade cultural da Terceira e a união da sua gente”.
“Há uma ligação muito forte entre a igreja, a paróquia, a instituição paróquia e a freguesia” prossegue sublinhando que as três principais instituições deste lugar “convivem”.
“O atual pároco e reitor do santuário, colabora muito com as forças vivas e tem sabido utilizar esta dinâmica. Aliás, a Serreta é Santuário Diocesano porque a população o pediu. Esta harmonia até poderia servir de exemplo para outras situações em que há um afastamento entre a paróquia e a população. Aqui toda a gente colabora”, referiu ainda o investigador.
A festa da Serreta tem o seu ponto alto no próximo domingo. A missa da festa e a procissão solene vão ser presididas pelo bispo de Angra, a partir das 16h00.