Última catequese quaresmal da Praia alerta para o papel da Igreja na promoção do respeito e de uma sociedade com valores

Foto: Igreja Açores/TO

O psicólogo Filipe Fernandes e o teólogo moralista padre José Júlio Rocha debateram os pecados da luxuria e da soberba , lembrando que a humildade e castidade podem ser respostas aos excessos do desejo

A humildade deveria ser a característica mais importante da Igreja, afirmou esta noite o padre José Júlio Rocha na última de quatro catequeses quaresmais “Santos, Sãos e Salvos”, promovidas pela ouvidoria da Praia, desta feita na Igreja da Fonte bastardo.

“A humildade deveria ser a característica mais importante da Igreja; infelizmente não tem sido sempre. Houve muitas formas de poder que a Igreja usou e que não eram serviço” afirmou o sacerdote, teólogo moralista, que esta noite regressou a “casa”, de onde é natural e onde serviu nos últimos oito anos como pároco, para falar sobre humildade e castidade.

“Jesus lavou os pés aos seus discípulos; mais do que amor e fé, Jesus fala de humildade, de anti poder” referiu para sublinhar: “todo o poder fora e dentro da Igreja é serviço e o ministro é o que serve com humildade”.

“A humildade não é humilhação nem é subserviência: humildade é eu conhecer a verdade sobre mim mesmo, saber qual é o meu lugar, aceitar a minha condição e ter confiança em Deus”, disse ainda.

Foto: Igreja Açores/TO

O sacerdote, que é atualmente o Vigário Episcopal para o Clero e Formação, falou da humildade e da castidade como antídotos aos pecados da luxuria e da soberba, numa dimensão moral, recordando que o pecado “é tudo o que vai contra o amor, como estilo e forma de vida” seja “o amor próprio, o amor para com o outro e o amor para com Deus”.

A este propósito recordou o pecado original, fundado no orgulho e na sede de poder, e da construção da torre Babel, para revelar que a tentação do pecado resulta sempre da ambição “consciente, livre e consentida” do homem em querer ser Deus ou igualar-se a Ele.

O sacerdote destacou a importância do “equilíbrio” e “moderação” nos desejos e atitudes do ser humano para referir o valor da castidade, que assenta no “respeito” e na “linguagem do amor”.

“A castidade não é reprimir ou recalcar mas viver a relação com amor e isso implica respeito, consideração” disse destacando a “fidelidade, a doação e a totalidade” como valores fundamentais numa relação casta que “se estende a todos”.

“Infelizmente a sexualidade continua a ser o elefante na loja de porcelana da Igreja; evoluímos pouco e não seria preciso mudarmos qualquer dogma mas mudarmos algumas interpretações para vermos esta questão com naturalidade”, ressalvou.

“Uma pessoa casta não reprime ou recalca a sua sexualidade, vive-a é sem o ato sexual mas não deixa de exercitar a sua capacidade afetiva, bem pelo contrário” disse ainda, sublinhando a dimensão do amor.

Foto:Igreja Açores/TO

Já antes, o psicólogo Filipe Fernandes tinha falado da necessidade do equilíbrio nas relações e na conduta de cada indivíduo. A propósito dos pecados da luxúria e da soberba, “muito próximos”, o psicólogo destacou o papel da culpa como “uma espécie de seguro social” que pode reprimir ou evitar determinado tipo de comportamentos com impacto no outro e na sociedade em geral.

“A culpa é uma espécie de seguro social porque nos previne  de comportamentos que podem magoar o outro e ter implicações sociais mais genéricas, evitando que cada um possa desenvolver atitudes que tenham pouca empatia com o outro” afirmou.

“A luxúria está na base de todos os pecados porque representa a falta de amor pelo outro” disse o psicólogo lembrando que o pecado voluntário deriva de uma adulteração da personalidade, que “pode ser patológica” ou de um “estado de alma” menos bom, que pode fazer com que num determinado momento os comportamentos sejam menos equilibrados.

“Em alturas em que se está menos bem é mais fácil cair no pecado”, afirmou.

Por isso, “se não nos auto controlarmos e não dominarmos a capacidade que temos para fazermos coisas erradas, pode ser perigoso” em várias dimensões da vida, “provocando danos em alguém”. A este propósito desmontou o conceito de auto-estima sublinhando que “tem mais a ver com a aceitação que cada um faz das suas limitações e virtudes”.

A partir de exemplos comezinhos como a relação com a comida, com o sexo ou com as redes sociais, Filipe Fernandes destacou também o equilíbrio como a palavra chave para combater todo o tipo de abusos, que podem transformar-se em patologias sociais.

O psicólogo referiu que a Igreja pode “ter um papel importante” na promoção de valores que “tornem a sociedade mais justa e equilibrada”, alertando para o papel da catequese.

“A catequese como instrumento de promoção de valores pode ser muito importante; falar do pecado não no sentido da culpa mas do auto controle, promovendo o respeito máximo pelo outro é fundamental”, disse.

No final desta catequese, que culminou a iniciativa da ouvidoria da Praia, o ouvidor, padre Moisés Rocha, agradeceu a participação dos fieis e lembrou a importância deste tipo de iniciativas na formação de leigos e sacerdotes.

“Foi muito rico para todos nós e o que está provado é que aquilo que iniciamos nesta ouvidoria, chamemos escola de leigos, catequeses, momentos de reflexão ou outra coisa qualquer, o importante é continuar com estes momentos formativos seja na catequese, na liturgia ou na cultura”, disse agradecendo em especial a presença do Seminário nestes momentos formativos.

Ao longo de quatro encontros, a ouvidoria da Praia aprofundou a riqueza teológica, antropológica, psicológica e espiritual dos pecados capitais, procurando ver neles uma proposta de caminhada quaresmal.

Com a ajuda de psicólogos convidados foi analisado o contributo que as ciências sociais e humanas têm a dar à  reflexão. Com a ajuda de sacerdotes, foram propostos remédios espirituais para a superação destes males, com vista a um itinerário espiritual ao longo do tempo da Quaresma.

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