“Vivemos em modo de sobrevivência” procurando “salvar o que temos” e isso pode fazer “esquecer a novidade do Evangelho”

O ouvidor da Povoação, padre Ricardo Pimentel, fala de uma Igreja onde a geografia “é a maior dificuldade pastoral”

A quebra da prática dominical, acentuada pela pandemia; o envelhecimento populacional e consequente perda de ativos nos movimentos de apostolado, a par do elevado custo de algumas estruturas físicas da Igreja fazem com que o tempo na ouvidoria da Povoação não seja marcado por um maior otimismo. Uma situação que se agrava se olharmos para a descontinuidade geográfica de um território marcado por difíceis acessibilidades e muitos constrangimentos à mobilidade.

“O envelhecimento da população, com uma geografia com fracas acessibilidades – temos um grande núcleo a oeste, Furnas e Ribeira Quente; depois temos uma extensão territorial até chegarmos ao coração da Vila, com as lombas e ainda o Faial da Terra e Água Retorta- é muito mais difícil fazer união ou criar unidade pastoral” refere o padre Ricardo Pimentel numa entrevista ao programa de rádio Igreja Açores que vai para o ar este domingo no Rádio Clube de Angra e na Antena 1 Açores, depois do meio dia.

“Como dizia Nemésio, aqui a geografia vale outro tanto como a história e neste caso torna tudo mais difícil”, refere o sacerdote.

“Precisaríamos de caminhar mais juntos” refere sem com isto deixar de reconhecer que a ligação da Igreja à sociedade é “muito boa”.

“Aqui ninguém é anti igreja; ninguém faz oposição à Igreja e há uma boa relação entre todos” a começar pela relação entre “a igreja e as instituições civis” mas também entre “os padres e as suas comunidades”, e isso “é um aspecto muito positivo”.

“Não há ódios à Igreja, não há anticorpos”, conclui lembrando, no entanto, que a Igreja precisa de se reinventar pastoralmente.

“Precisamos de ultrapassar esta onda de sobrevivência” e em vez de “falarmos da Igreja falarmos de Jesus Cristo”, afirma.

“A Igreja serve para servir Jesus Cristo e só assim cumpre a promessa de vida eterna. Na verdade, vivemos em modo de sobrevivência e nesta tentativa de sobrevivência, quase que acabamos por perder a alegria do Evangelho, porque estamos mais preocupados em salvar o que temos”, afirma o padre Ricardo Pimentel.

“É preciso conservar o que se tem mas tem de se ser capaz de olhar para o futuro e se for preciso reciclar alguma coisa, sem prescindir dos valores do Evangelho, pois que se recicle”, esclarece ainda acrescentando que as pessoas desejam “mudança”.

“As pessoas estão cansadas da linha moralista da Igreja e precisam de Evangelho; evangelizar não é moralizar e nós estamos com muita esperança neste sínodo do Papa”, refere ainda a propósito do momento que a Igreja vive.

“Não sei se não seria bom deixar cair a nossa caminhada sinodal e situar-nos mesmo no Sínodo do Papa. As pessoas têm mais esperança na mudança que o Sínodo proposto pelo Papa possa trazer do que propriamente na caminhada sinodal diocesana”. E, porquê?

“Fomos vendo que,  às vezes somos bons a analisar os problemas, a fazer o julgamento desses problemas mas temos muitas dificuldades em agir”, responde.

“As conclusões a que chegamos raramente se traduzem na forma de agir e de ultrapassar os problemas; parece que não há consequência a partir da análise que foi feita” acrescenta lembrando que nem sempre o que é dito pelas bases, na diocese, é levado em linha de conta pela estrutura de decisão, o que provoca algum cansaço sobretudo nos leigos mais comprometidos em conselhos pastorais, por exemplo.

Na Povoação existem núcleos muito comprometidos, herdeiros da ação católica como é o caso da Ribeira Quente.

“A paróquia, com uma forte piedade popular, conserva uma vivência religiosa forte”, afirma.

“Foi um povo que nunca se vergou, não é triste e tem sempre uma maneira de se reinventar e isso impressiona-me muito” diz sublinhando a herança dessa “grande universidade que foi a acção católica” ou os grupos bíblicos.

“Mais do que uma solidariedade institucionalizada há uma caridade de vizinhança e isso é Cristianismo, é Evangelho” refere por contraponto a outros lugares onde a mobilidade das pessoas pode criar uma certa hibridez na acção pastoral.

“As Furnas é uma paróquia que sofre pela sua hibridez: não é nem uma paróquia urbana nem rural, devido à sua vocação turística. Com 1400 pessoas, tem cerca de 20 restaurantes, que garantem emprego mas dificultam uma vivência comunitária da fé porque por exemplo ao domingo as pessoas estão a trabalhar, não podem ir à Igreja”, refere depois da interpelação sobre a forma como estes dois modelos de comunidade pode afectar a vida da Igreja.

“A comunidade funciona quase ao jeito de um Santuário: as pessoas passam por cá mas não vivem cá” refere o sacerdote lançando um desafio para uma reflexão mais abrangente da Igreja em zonas turísticas onde a “lógica territorial” se calhar “não fará grande sentido”.

Nesta entrevista ao programa de rádio Igreja Açores, o sacerdote fala ainda dos efeitos colaterais da pandemia na catequese; na diminuição da prática dominical, com quebras de mais de 50% ou, ainda, dos movimentos envelhecidos.

 

Ouvidoria da Povoação

A Ouvidoria tem seis paróquias e um curato e é servida por 4 sacerdotes.

Possui ainda 10 Centros Sociais e Paroquiais bem como uma casa de acolhimento para jovens e crianças em risco, gerida pelas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, a Obra Social Madre Maria Clara.

Existe ainda uma Santa Casa da Misericórdia.

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