Quanto vale uma vida?

Esta pergunta retórica tem a conclusão implícita: vale tudo.

Por isso, é um daqueles casos em que a moral da história não vem no fim mas no princípio, não fosse o caso de existirem elementos que precisam de ser analisados friamente. Não porque a vida tenha preço mas porque é necessário que não se percam mais vidas por causa do preço… de algumas terapias.

A discussão tem sido acesa, primeiro por causa das urgências hospitalares; depois por causa do preço escandaloso do medicamento que, nalguns casos, pode ser a única cura para doentes de hepatite C.

Em ambas as situações a questão foi colocada, do ponto de vista mediático, no nexo de causa-efeito, isto é, crise-falta de acesso a cuidados de saúde.

E, não era para menos pois dizer que 700 mortes na urgência, “mais número menos número” era normal, foi uma anormalidade discursiva dispensável. Permitir que por causa do preço obsceno de um medicamento (42 mil euros, com um lucro de 5000% para a farmacêutica, segundo o próprio Ministro da Saúde), as pessoas tivessem de vir para a praça pública fazer pressão, foi no mínimo humilhante.

É um facto que a saúde tem um preço. Que o Estado tem recursos limitados e não consegue pagar todos os cuidados de que necessitamos. Que, se calhar, para custear um medicamento como o da hepatite C, temos de abdicar de outros. Que com o valor negociado para metade para cada doente (25 mil euros), poderíamos fazer 10 bypasses coronários e salvar 10 vidas. Ou matar a fome a mais de seis mil crianças em cantinas escolares.

Quando olhamos para as coisas pelos números, a realidade fica objetiva, mas inevitavelmente fria e desumana. Não há economia que nos ajude a entender a perda de uma vida. Por mais realista e objetiva que seja a análise. Mesmo que nos digam que a opção por uma vida possa significar abdicar de outra.

E a Igreja deve insurgir-se contra este raciocínio, com a legitimidade da sua ação. Sem perder muito tempo, basta lembrar Madre Teresa de Calcutá e a obra das Irmãs Missionárias da Caridade. Alguém ousa pensar que têm todos os recursos do mundo? Têm, certamente, o principal que é  ajudar quem sofre a ter dignidade.

A resposta, se calhar, está aí: tão importante como a cura é a dignidade da pessoa doente que está em causa, sem que precise de vir para a rua falar da sua doença para ser atendida.

Esta quarta feira assinalamos o Dia Mundial do Doente. Somos convidados a seguir a “predileção” de Jesus pelos que estão “feridos no corpo e no espírito”, os pobres, os doentes ou os marginalizados, para os curar.

A realidade da cura dos doentes por parte de Cristo convida-nos a refletir sobre o sentido e o valor da doença.

A assistência aos doentes como “parte integrante da sua missão” sempre  foi uma prioridade da igreja que vê nos que sofrem “um caminho privilegiado para se encontrar com Cristo, para o acolher e servir”.

Isto acontece também nos nossos dias, em que, apesar das várias aquisições da ciência, o sofrimento interior e físico das pessoas suscita fortes interrogações sobre o sentido da doença, sobre o motivo da morte, como bem assinalou este domingo o Papa Francisco.

Não é só uma questão de fé… é sobretudo uma questão de valores, que privilegiem a dignidade.

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