O padre Marco Gomes alerta para o agravamento das desigualdades e o surgimento de novas formas de pobreza nos Açores que não estão sinalizadas e até escapam às redes informais da Igreja

No Dia Mundial dos Pobres, que se assinala este domingo, o assistente da Cáritas Diocesana alerta para um diagnóstico social que revela disparidades profundas entre as ilhas e confirma a persistência de desigualdades estruturais.
“Estamos perante um novo tipo de pobreza que não é sinalizado pelo Estado e que é acompanhado de forma insuficiente pelas redes de apoio informais”, afirma o padre Marco Gomes numa entrevista ao programa de Rádio Igreja Açores, onde salienta o fenómeno emergente de famílias que, apesar de terem emprego, não conseguem fazer face aos encargos, sobretudo com a habitação, ficando invisíveis aos serviços sociais e até “muitas vezes à própria Igreja”.
O sacerdote sublinha que há indicadores recentes que revelam novas vulnerabilidades: desigualdade na repartição da riqueza, dependência, aumento do consumo de substâncias psicoativas, necessidades não respondidas no acompanhamento da saúde mental, violência doméstica e subida do desemprego. A precariedade laboral e a informalidade económica surgem também como sinais de “novas formas de pobreza” que escapam aos mecanismos tradicionais de proteção social.
Para responder a este cenário, a Diocese está a implementar dois projetos-piloto que pretendem reposicionar a ação social da Igreja perante os desafios atuais. O primeiro passa pela ativação de “comunidades vivas”, através da formação de líderes comunitários e voluntários, capacitação técnica e criação de protocolos de atuação local. O objetivo é garantir que situações de emergência tenham respostas imediatas e que, em articulação com outros apoios, se promovam trajetos reais de autonomização.
“Não é atirar dinheiro para cima da pobreza”, destaca o sacerdote, sublinhando a necessidade de um modelo estruturado, contínuo e eficaz.
O segundo projeto incide na inclusão social e reintegração de pessoas vulneráveis, através de um espaço de acolhimento, formação e ligação a redes de empregabilidade. O modelo procura promover a recuperação e a plena participação na sociedade.
A ilha Terceira foi escolhida para iniciar a implementação destes programas, dada a existência de uma rede ativa da Cáritas de ilha e capacidade técnica instalada. A intenção é, ao longo de três anos, consolidar as práticas e depois alargá-las a todas as ilhas do arquipélago. A articulação com as paróquias será essencial, assegura o responsável, que pretende recrutar e formar novos agentes pastorais para que as comunidades não se limitem a respostas assistencialistas, mas promovam autonomia e protagonismo das pessoas acompanhadas.
Segundo o padre Marco Gomes, o diagnóstico feito pela Cáritas assenta no levantamento realizado sobre demografia, saúde, educação, políticas públicas e atuação da sociedade civil, oferecendo “uma visão muito fina acerca desta realidade” do arquipélago.
Na entrevista ao programa de rádio Igreja Açores que vai para o ar este domingo, no Rádio Clube de Angra, depois do meio dia e que pode ser ouvido aqui no Sítio Igreja Açores, o sacerdote diz que entre os dados mais preocupantes encontra-se o envelhecimento acentuado das ilhas mais pequenas, associado à migração jovem e à baixa natalidade. A região continua a ser a mais pobre do país: 28,4% da população vive em risco de pobreza ou exclusão social, e estima-se que 38% das crianças açorianas nascem em contexto de pobreza. A taxa de beneficiários do Rendimento Social de Inserção “é quase o dobro da média nacional”, refletindo “não só a incidência da pobreza, mas também a dificuldade em assegurar trajetos de integração sustentável”.
No final da entrevista , o padre Marco Gomes deixa uma mensagem de esperança para aqueles que vivem momentos de fragilidade: “A existência de pobres é um sinal de esperança, porque neles podemos tocar o Evangelho vivo. Mas também nos torna responsáveis: a Igreja tem de ser sinal de esperança para os pobres” refere o sacerdote ao afirmar que a verdadeira esperança nasce da fé.
“A caridade exige a capacidade de transformar a cidade dos homens à imagem da cidade de Deus”, conclui.