Alfaiates do Panamá

Por Carmo Rodeia

O mundo deitou-se este domingo em sobressalto, depois da revelação do caso “Panama Papers”. Uma fuga de informação controlada, há cerca de um ano, colocou nas mãos de um jornal alemão uma série de informações sobre as operações económicas e financeiras de vários notáveis, espalhados pelos quatro cantos do mundo, da política ao desporto, envolvendo-os num conjunto de actividades sob suspeita.

Lê-se no site do Expresso, o jornal parceiro desta mega investigação jornalística mundial: “O acervo de 11,5 milhões de ficheiros mostra como uma indústria global de sociedades de advogados, empresas fiduciárias e grandes bancos vendem o segredo financeiro a políticos, burlões e traficantes de droga, bem como a multimilionários, celebridades e estrelas do desporto.”

Quando li esta notícia o primeiro nome que me veio à cabeça foi o de John Le Carré, autor do livro “O Alfaiate do Panamá”, que inspirou vários realizadores. E veio-me à cabeça não por constar da lista mas porque a história que conta é parecida com esta. Harry Pendell é o carismático proprietário e anjo-da-guarda da Pendel & Braithwaite Limitada. Andrew Osnard, gorducho e misterioso, antigo aluno de Eton, é um espião. A sua missão secreta é um pau de dois bicos: manter um olho observador sobre as manobras políticas que levaram à tomada americana do canal do Panamá e garantir para si próprio uma imensa fortuna pessoal, feita à custa do pagamento de dividendos da sua espionagem.

Tal como o livro também estes Panama Papers revelam muito do mundo de hoje. Das fortunas dos oligarcas à circulação do dinheiro no mundo do crime e, sobretudo, da impunidade de muitos que se servem do cargo que ocupam para não fazerem na sua vida pessoal, o que impõem aos seus concidadãos.

Um offshore, ou paraíso fiscal, não é uma ilha ilegal, nem é crime ter o dinheiro nesse paraíso. Só o será se se tratar de uma forma de fuga ao fisco ou de branqueamento de capitais, que são actividades criminosas.

Diabolizar os paraísos fiscais, como uma espécie de encarnação do mal, comporta um risco que é o de desviarmos a atenção do que é realmente injusto e imoral: a impunidade ou a simples presunção de impunidade, pelos próprios e pelos demais. E, num Estado de direito, de que nós ocidentais tanto gostamos, mal vai a democracia quando impera este sentimento.

O que  está na origem de tudo isto é o dinheiro. Sempre este “amigo” que o papa bem definiu no Vaticano como o principal causador da desarmonia entre as comunidades porque é “egoísta” e ignora as necessidades alheias.

“Os sinais da harmonia são dois: ninguém passa necessidade porque tudo é comum”, referiu evocando as primeiras comunidades cristãs, que logo após a morte de Jesus viviam numa partilha de bens, com “um só coração, uma só alma”, sem considerar nada como sua “propriedade”.

Diz o Papa Francisco que o dinheiro é inimigo da harmonia e que Deus e o dinheiro, são dois patrões “cujo serviço é irreconciliável”.

A temática não é nova. Desde o inicio do seu pontificado que fala numa economia que mata, de um capitalismo tirânico sem limites em que o bem estar de todos é posto em causa em nome do de alguns, e que esta nova ditadura do poder, pelo dinheiro, gera exclusão social e consequentemente violência.

Morrem todos os dias centenas de pessoas por conta do terrorismo, dos carteis de droga, dos acidentes. Quantas mais terão de morrer à fome por causa dos privilégios de uns quantos…em democracia?

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