Bispo de Angra salienta importância do diálogo entre a cultura, a inteligência humana e a dimensão da fé

Sessão de abertura das II Jornadas de Teologia dos Açores encheu salão nobre do Seminário Episcopal de Angra

O respeito e o diálogo necessários entre a cultura e a inteligência humana nunca pode perder de vista a dimensão do transcendente, tendo presente que, à luz da tradição cristã, o homem é sempre orientado por Deus, disse esta noite o bispo de Angra que presidiu à sessão solene de abertura das II Jornadas de Teologias dos Açores, “Deus na pena dos Homens- diálogo entre Teologia e Literatura”.

Perante as transformações “tão fortes” da cultura atual, a igreja deve sentir-se motivada para contribuir ativamente para este diálogo esclarecido afirmou D. João Lavrador.

O prelado diocesano, que dividiu a sua intervenção em três pontos, começou por  destacar as características da sociedade atual, marcada pelo “pensamento laicizante” que se materializa no “ateísmo moderno” e no  individualismo, a que se contrapõe, por outro lado, uma necessidade crescente de Deus. Uma evidência que as artes- sobretudo a literatura-, apesar de tudo, deixam transparecer e, por isso, não podem ficar indiferentes à Igreja que, em cada momento da história é convidada a ler os sinais do mundo e do tempo.

“Percorrendo as páginas da literatura, deparamo-nos com a expressão da alma humana no seu sentir e no seu crer, na sua angustia e na sua esperança, na dor e no consolo. É o homem no seu drama. Por isso a eterna pergunta sobre o homem e o seu destino que leva consigo a pergunta sobre Deus”, frisou o prelado.

“É dever da Igreja discernir o que o homem lhe diz direta ou indiretamente, aberta ou de maneira velada mas que faz parte da sua forma se expressar, também lançando um conjunto de perguntas sobre a realidade de Deus, conhecido dos crentes mas desconhecido, e tão só pressentido pelos que não vivem no âmbito da fé cristã”, afirmou.

As jornadas de teologia são organizadas pelo Seminário Episcopal de Angra, em parceria com a Academia de São Tomás de Aquino.

Escritores como Dostóievski, Kafka, Ernst Hemingway, Vitorino Nemésio e Virgílio Ferreira serão (re)lidos até quinta feira, procurando-se abordar algo muito profundo e conatural à natureza humana, que “não é inédito, nem se pode esgotar”, como sublinhou por seu lado o Reitor do Seminário de Angra, Pe. Hélder Miranda Alexandre.

“É o Céu que procuramos num emaranhado de linguagens que dão sabor à vida e alimentam o coração” disse ainda o responsável lembrando que este diálogo entre a teologia e a Literatura é “absolutamente fundamental” para compreendermos a realidade.

“Deus escreve através dos homens” disse o reitor e, embora “em três dias não se possa tratar de  tudo, podemos fazer pensar e lançar pontes para outras aventuras e areópagos”.

Até 1 de março, professores e investigadores na área da Literatura, como Onésimo Teotónio de Almeida, analisam a presença de Deus no pensamento e na obra de autores da literatura mundial e nacional.

As jornadas começaram ontem às 20h00, e serão retomadas hoje à mesma hora no salão do Seminário.

“Dizer o inefável: literatura e teologia negativa”, por Osvaldo Silvestre, Universidade de Coimbra e “Literatura açoriana – algumas questões éticas I” , por Onésimo Teotónio de Almeida, Brown University,  foram os temas e convidados da primeira sessão.

Numa “sincopada viagem” por  12 autores açorianos- de Antero de Quental a Daniel de Sá, passando por Roberto Mesquita, Nunes da Rosa, Vitorino Nemésio, Dias de Melo, Natália Correia, José Martins Garcia, Álamo Oliveira, João de Melo, Cristóvão de Aguiar e Pedro da Silveira, o professor catedrático da Universidade de Brown, em East Providence, nos EUA, destacou a forma como estes autores colocam questões de natureza ética através de causas sociais, da justiça, da igualdade do género ou da própria solidariedade, manifestando o seu “fundo religioso”, embora na maior parte das vezes “não eclesial”.

Hoje, o docente, que foi recentemente nomeado pelo presidente da República para presidir à Comissão que vai organizar as comemorações do próximo dia 10 de Junho, dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, irá prosseguir esta análise com uma abordagem a partir de chaves de leitura mais teóricas.

Osvaldo Silvestre, na comunicação “Dizer o inefável, literatura e teologia negativa”, percorreu o modelo conceptual de Wittgenstein para sublinhar que “o místico pode ser mostrado mas não pode ser dito”, isto é,  “no campo da mística o que há para ver é maior do que o olhar e o que é transcendente não cabe na própria linguagem”.

Para o professor da Universidade de Coimbra, “a questão de Deus na Literatura interessa a uma abordagem teológica da linguagem  da arte mas também à própria Literatura”, pois “Deus torna-se um dispositivo revelador de todas as dificuldades internas à própria ideia de Literatura”.

Esta quarta feira, Urbano Bettencourt , da Universidade dos Açores, fala sobre “Vitorino Nemésio – o peixe eterno e a alma encardida” e Onésimo Teotónio de Almeida retoma, numa segunda parte, a conferência do dia anterior.

O último dia é consagrado aos ensaios “Vergílio Ferreira: o Deus que (lhe) morreu”, por Rosa Goulart, Universidade dos Açores, e “Fé e Literatura: três ensaios sobre a esperança”  por José Júlio Rocha, Seminário de Angra.

Os trabalhos terminam quinta-feira com um momento musical, interpretado pela Academia de São Tomás de Aquino.

(Noticia atualizada às 16h30 do dia 28 de fevereiro)

(Com André Furtado e Tatiana Ourique)

 

 

 

 

 

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