Bispo de Coimbra pede aos açorianos que professem um cristianismo para além da tradição e da cultura

D.Virgílio Antunes presidiu à Missa da festa do Senhor da Pedra, em Vila Franca do Campo

O bispo de Coimbra alertou esta manhã para o perigo dos cristãos cederem à tentação de serem muito devotos mas com pouca fé e, sobretudo, com uma fé desinserida do mundo.

“O pior que nos poderia acontecer é sermos pessoas devotas sem fé; sermos piedosos em relação ao Espirito Santo, mas sem seguir os seus caminhos de santidade; sermos cristãos por cultura e tradição, mas sem encontro pessoal e comunitário com Deus; sermos muito religiosos mas incapazes de transformar a sociedade por meio da novidade do evangelho ou sermos cristãos e vivermos centrados em nós e alheios aos outros, especialmente aos mais pobres”, disse D. Virgílio Antunes na Missa da festa do Senhor da Pedra, que se realiza este fim de semana em Vila Franca do Campo, na ilha de São Miguel.

A partir do Evangelho deste domingo, o prelado desafiou os vilafranquenses a questionarem o verdadeiro lugar que querem dar a Deus nas suas vidas e a forma como o querem comunicar aos outros.

Um dos desafios que esta festa nos coloca é “comprometermo-nos a permanecer firmes na profissão da nossa fé, como nos pedia a Carta aos Hebreus” e este desafio “é mais do que uma simples tradição” é estar no mundo como “sal, fermento e luz”, afirmou lembrando que isso significa “tornarmo-nos pessoas espirituais, no sentido de abandonar as obras da carne para viver no espirito de santidade”.

“Encontramos muitas pessoas devotas ao Espirito Santo e muito espiritualistas que separam a fé da vida, mas encontramos poucas pessoas que se deixam conduzir pelo Espirito Santo de Deus”, alertou.

“Estar bem inseridos no mundo faz parte integrante da nossa profissão de fé em Cristo como Senhor e Salvador”, prosseguiu lembrando que  “não precisamos deixar o mundo em que estamos para sermos cristãos. Antes pelo contrário, não podemos viver a fé senão plenamente integrados no mundo, no qual havemos de incarnar a novidade do Evangelho, a boa nova da alegria trazida por Cristo”.

“Estar no mundo sem ser do mundo, disponível para se compadecer das fraquezas de todos, capazes de sermos postos à prova e contestados por causa da verdade e, acima de tudo, desejosos de oferecer a vida como Jesus, a fim de que o mundo seja salvo”, clarificou o bispo diocesano de Coimbra na missa celebrada na igreja Matriz de Vila Franca do Campo que durante esta noite acolheu a imagem do Senhor da Pedra depois da procissão da mudança da Igreja da Misericórdia, onde se encontra durante todo o ano.

“Estar bem inseridos no mundo significa acompanhar as desgraças e calamidades do mundo com espirito cristão, ou seja, com esperança, mas igualmente com responsabilidade, significa valorizar tudo o que é bom e justo; tudo o que são sinais de crescimento em humanidade”, disse D. Virgílio Antunes, que pediu aos açorianos que “eduquem as novas gerações”, combatam “a mentalidade materialista e egoísta que domina os ambientes”.

“Com esta festa damos continuidade a uma tradição enraizada no coração deste povo. Faz parte integrante de uma história de fé e de amor a Jesus Cristo”, prosseguiu.

“Num tempo em que se discutem os valores fundamentais da nossa sociedade, quando se põe em causa a identidade cultural da Europa e do mundo ocidental, quando os sonhos de construção do mundo pretendem oferecer caminhos alicerçados no humanismo agnóstico e ateu, nós só podemos propor de uma forma séria e mais verdadeira a fé do Senhor”, disse D. Virgílio Antunes.

A celebração desta festa “é sinal de um modo de ser e de estar, que molda a cultura e a vida da sociedade, da família e das relações humanas, económicas, politicas e sociais”, disse ainda o bispo de Coimbra, destacando a importância da piedade popular na evangelização. Para o prelado a Igreja não pode alhear-se da piedade popular e esta não pode perder de vista o Evangelho.

“Ao celebrar a festa do Senhor da Pedra estamos, pois, a procurar corresponder fielmente aos apelos da igreja: a valorizar a piedade popular como verdadeiro lugar teológico, como expressão simples, autêntica e fiel da alma do povo orante, que transmite a sua fé como o primeiro e mais precioso valor da sua herança; valorizamos ao mesmo tempo o dinamismo evangelizador como primeira missão da comunidade cristã, de forma explicita e com os novos métodos”, frisou.

“Podemos não ser o povo mais rico nos bens deste mundo, mas somos imensamente ricos na fé e nos valores evangélicos. Como açorianos tendes uma tremenda responsabilidade local e universal pois estais espalhados pelos cinco continentes”, destacou o prelado que deixou ainda um apelo direto: “não deixeis que nada nem ninguém vos roube este tesouro de acreditar; não esmoreçais na missão de comunicar aos vosso filhos e às comunidades que vos acolhem a alegria e a beleza do Evangelho que recebemos”, concluiu.

As festas do Senhor Bom Jesus da Pedra são das mais antigas da ilha de São Miguel e realizam-se anualmente no último fim de semana de agosto, mobilizando para a antiga capital da ilha de São Miguel milhares de fieis devotos. Entre eles estão muito emigrantes açorianos espalhados, sobretudo pelo continente americano e que regressam à terra natal para vivenciar estas festas.

Como sempre são organizadas por uma comissão ligada à Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca do Campo, cuja mesa é presidida por Ricardo Rodrigues, também presidente da autarquia.

Não é fácil precisar em que altura começou este culto e estas festas. Sobre a imagem há uma lenda que diz que deu à costa, dentro de uma caixa de madeira, na praia do Corpo Santo, em data desconhecida. As duas imagens – a primitiva e a actual – representam a imagem do “Ecce Homo”, o Cristo coroado de espinhos, sentado numa pedra.

As festas em honra do Senhor Bom Jesus da Pedra estão, desde sempre, a cargo da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca do Campo e realizam-se no último domingo de Agosto de cada ano, pelo menos desde 1903, data da autorização do Papa Leão XIII para que estas festividades fossem reconhecidas.

“O Santo Padre o Papa Leão XIII, atendendo às humildes suplicas, concede o privilégio, a partir do dia de hoje, de se poder celebrar, com pompa sagrada exterior, no Domingo, a Festa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Coroado de Espinhos, como vem no apêndice do Missal Romano, na sexta-feira depois das Cinzas”, lê-se no documento da Sagrada Congregação dos Ritos.

As festas do Senhor da Pedra duram uma semana. A Comissão prepara um vasto programa, com actividades que vão desde as celebrações religiosas – tríduos preparatórios, sábado da mudança da imagem da igreja da Misericórdia para a Matriz, missa de festa e procissão do domingo pelas ruas da Vila – a provas desportivas, eventos culturais e animação dos arraiais.

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