Cimeira sobre proteção de menores pode conduzir a “uma mudança de paradigma de toda a Igreja Católica a respeito de muitas questões da sexualidade”

Professor de Teologia Moral do Seminário de Angra sublinha importância do encontro convocado pelo Papa Francisco

O professor de Teologia Moral no Seminário Episcopal de Angra, Pe. José Júlio Rocha,  afirma num artigo de opinião publicado na sua coluna “Moral da História” aqui no sitio Igreja Açores que a cimeira, que decorre em Roma, sobre os abusos e proteção de crianças “irá contribuir para que se enverede por um caminho de purificação, que passará necessariamente pela determinação corajosa das causas que levaram à proliferação da pedofilia na Igreja”.

“É aí que temos de chegar, custe o que custar” afirma o sacerdote que sublinha a importância da atenção que deve ser dada às vítimas dos abusos perpetrados por membros da igreja.

“O cerne da questão não pode deixar de ser, no entanto, a multidão das vítimas. Essa mole imensa de pessoas que viram a sua vida afetada, mutilada, por vezes destruída por aqueles que deviam ser os seus guias num ideal de vida cristão” escreve o Teólogo.

“É o rasto indelével que não pode deixar ninguém indiferente”, enfatiza.

No artigo de opinião que pode ler aqui, o sacerdote sublinha que esta cimeira é um serviço à Igreja e insere-se num caminho longo que terá de ser percorrido, para além dos pedidos de desculpa que são insuficientes.

“Não bastam, já foi sobejamente afirmado, os pedidos de desculpa. Em honra dos nomes das vítimas, é preciso tomar medidas concretas para acabar, repito, acabar com essa praga”, escreve.

O Pe. José Júlio Rocha considera que a cimeira convocada pelo Papa “é necessária e urgente para que a Igreja possa tomar medidas concertadas e universais, custem elas o que custarem”.

“Para grandes males, grandes remédios, e devemos estar preparados para uma mudança de paradigma de toda a Igreja Católica a respeito de muitas questões da sexualidade”.

O sacerdote, que é também o assistente diocesano da Comissão Justiça e Paz, coloca ainda a tónica na pressão dos media, que tem levado a igreja a acelerar a clarificação destes processos, e não deixa de enfatizar a relevância social deste crime.

“Pedofilia e abuso de menores são pragas que, infelizmente, atravessam todo o tecido social, e sobremaneira a família. A relevância dada à Igreja percebe-se porque ela é uma instituição moral cuja mensagem condena clara e determinantemente os crimes/pecados que alguns dos seus membros praticaram. E isso funciona como uma caixa-de-ressonância que amplifica a gravidade dos crimes cometidos”, escreve ainda no artigo. O sacerdote deixa por isso um alerta : “Concordo que os Media tragam à luz o que anda escondido e, assim, colaborem com a Igreja no sentido de erradicar esse mal tão disseminado”, mas devem fazê-lo de acordo com critérios de “verdadeiro jornalismo, sério e honesto”, pois caso contrário, “podemos estar diante de uma espécie de caça às bruxas onde se corre o perigo de acusar inocentes cuja fama e bom nome podem ficar enlameados para sempre, como já aconteceu”.

Segundo dia de trabalhos

A cimeira sobre abusos sexuais e proteção de menores na Igreja, que decorre no Vaticano até domingo, levou a Roma várias associações de vítimas, que têm aproveitado a visibilidade mediática do evento para organizar protestos e manifestações.

A ECA – Ending Clergy Abuse (acabar com o abuso do clero) – uma plataforma que junta organizações de vítimas de todo o mundo – promoveu esta quinta-feira uma vigília com testemunhos de vítimas de abusos por parte do clero, nos jardins do Castelo de Sant’Angelo, arredores do Vaticano.

Peter Isley, porta-voz da plataforma, contou como foi abusado aos 13 anos por um sacerdote em quem confiava, apelando a uma “saída do desespero do silêncio para a beleza, o poder e a verdade da voz humana”.

Alessandro Battaglia, de Milão, foi um dos jovens que deu o seu testemunho e mostrou-se emocionado: “Fui abusado aos 15 anos por um padre que eu considerava o melhor do mundo, a quem contava tudo”.

“É uma dor grande, uma vida destruída”, referiu.

Em declarações aos jornalistas, Peter Isley referiu que “os católicos não sabem, e têm o direito de saber”, o número total de casos identificados pelos bispos e responsáveis religiosos.

O porta-voz da ECA questionou ainda as propostas que estão a ser debatidas pelos 190 participantes na inédita cimeira promovida pelo Papa: “Se uma criança está a ser abusada e molestada por um padre, não se faz um manual, retira-se aquele homem do ministério, para que não moleste mais nenhuma criança. Isso é o que eles precisam de fazer. Vão fazer?”.

Outra preocupação, que também foi assumida durante as primeiras conferências do evento, é a de “responsabilizar os bispos que encobrem estes casos”.

O programa da cimeira inclui, em vários momentos, testemunhos de vítimas de abusos, mas para Peter Isley também seria falar com quem conhece a realidade.

“O que precisam de ouvir de nós é o que vamos fazer em conjunto. Não há melhor grupo de pessoas que este, porque são sobreviventes, trabalham em organizações, conhecem as pessoas, sabem lidar com a ilusão da Igreja e o sistema civil”, concluiu.

A ‘Catholic Worker’, organização de mulheres católicas nos Estados Unidos da América, enviou uma delegação a Roma para participar nos protestos das vítimas.

Alice McGarry mostra-se “contente” pela realização da cimeira, mas espera “coragem, honestidade e humildade”.

“Queremos que os bispos façam mais, e que escutem toda a gente. A Igreja perdeu a confiança do mundo e precisamos de fazer muito mais, os padres e todas as pessoas da Igreja, precisam de trabalhar em conjunto para mudar e reconquistar a confiança do mundo”, observou a ativista, para quem é preciso superar o “medo” de agir.

(com Ecclesia)

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