Documento do Sínodo apela à inclusão dos “exilados da Igreja”, “igualização das Mulheres” e “atenção particular aos jovens”

01Proposta para etapa continental recolheu contributos de 112 conferências episcopais, movimentos, associações, pessoas singulares e grupos

O Vaticano publicou hoje o documento de trabalho para a etapa continental do Sínodo 2021-2024, a partir de sínteses oferecidas por conferências episcopais e organismos católicos, apontando à necessidade de incluir todos, com referência aos “exilados” da Igreja.

“As sínteses mostram com clareza que muitas comunidades já compreenderam a sinodalidade como um convite a pôr-se à escuta daqueles que se sentem exilados da Igreja. Os grupos que experimentam um sentido de exílio são diversos, começando por muitas mulheres e jovens que não sentem reconhecidos os próprios dons e as suas capacidades”, refere o texto divulgado esta quinta-feira, em conferência de imprensa.

Este documento de trabalho foi redigido após um encontro, na cidade italiana de Frascati, de quase 50 pessoas, durante 12 dias de trabalho; o grupo de peritos, que incluiu o sacerdote português Paulo Terroso, da Arquidiocese de Braga, foi recebido, em audiência privada, pelo Papa Francisco, a 2 de outubro, no final dos trabalhos.

“A visão de uma Igreja capaz de uma inclusão radical, de pertença mútua e de profunda hospitalidade segundo os ensinamentos de Jesus está no centro do processo sinodal”, indicam.

O texto orientador da segunda etapa do Sínodo, convocado pelo Papa Francisco e que se iniciou há um ano, aponta “notáveis semelhanças entre os vários continentes no respeitante àqueles que são considerados como excluídos, na sociedade e também na comunidade cristã”.

Os contributos recolhidos nas comunidades católicas dos cinco continentes, enviados ao Vaticano nos últimos meses, destaca, em particular, que muitas pessoas “notam uma tensão entre a pertença à Igreja e as próprias relações afetivas”, dando como exemplo “os divorciados recasados, as famílias monoparentais, as pessoas que vivem num casamento polígamo, as pessoas LGBTQ”.

“Entre os grupos excluídos mencionados mais frequentemente: os mais pobres, os idosos sozinhos, os povos indígenas, os migrantes sem alguma pertença e que levam uma existência precária, as crianças da rua, os alcoolizados e os drogados, aqueles que caíram nas redes da criminalidade e aqueles para quem a prostituição representa a única possibilidade de sobrevivência, as vítimas do tráfico humano, os sobreviventes aos abusos (na Igreja e não só), os presos, os grupos que sofrem discriminação e violência por causa da raça, da etnia, do género, da cultura e da sexualidade, lê-se no relatório.

O documento de trabalho para a etapa continental sublinha que “as feridas da Igreja estão intimamente ligadas às do mundo”, citando preocupações de conferências episcopais de diversos países: “os desafios do tribalismo, do sectarismo, do racismo, da pobreza e desigualdade de género”.

“As sínteses convidam-nos a reconhecer especialmente a interconexão entre os desafios sociais e ambientais e a dar-lhes resposta, colaborando e dando vida a alianças com outras confissões cristãs, crentes de outras religiões e pessoas de boa vontade”, pode ler-se.

Numa reflexão sobre os desafios internos, as reflexões propostas por católicos de todo o mundo assumem “o desejo de ser menos uma Igreja de manutenção e conservação, e mais uma Igreja que sai em missão”.

O novo documento cita o relatório enviado desde Portugal, para falar do “sonho de uma Igreja capaz de se deixar interpelar pelos desafios do mundo de hoje e de lhes responder com transformações concretas”.

Após a primeira fase deste processo sinodal, chegaram ao Vaticano relatórios 112 das 114 Conferências Episcopais e das Igrejas Católicas Orientais, de Institutos de Vida Consagrada, organismos da Santa Sé, movimentos, associações, pessoas singulares e grupos que inspiram o novo documento orientador para a Etapa Continental, até às Assembleias Sinodais marcadas entre janeiro e março de 2023.

O documento de trabalho tem como tema uma passagem do livro bíblico do profeta Isaías, “Alarga o espaço da tua tenda” (Is 54,2).

“Alargar a tenda exige acolher outros no seu interior, dando espaço à sua diversidade”, indica a Secretaria-Geral do Sínodo, responsável pela publicação.

A nova fase do processo sinodal assume como objetivo levar as comunidades católicas “além dos territórios mais familiares”.

“A mensagem do Sínodo é simples: estamos a aprender a caminhar juntos e a sentar-nos juntos para partir o único pão, de modo que cada um possa encontrar o seu lugar. Todos são chamados a tomar parte desta viagem, ninguém é excluído”, sublinha o documento orientador.

Sínteses mundiais assumem impacto do “escândalo dos abusos”

O documento de trabalho assinala o impacto negativo do “escândalo dos abusos” na vida da Igreja, pedindo uma maior “transparência”.

“Uma atenta e dolorosa reflexão sobre a herança dos abusos levou muitos grupos sinodais a pedir uma mudança cultural da Igreja, com vista a uma maior transparência, responsabilidade e corresponsabilidade”, indica o texto, apresentado em conferência de imprensa, no Vaticano.

O sumário das sínteses produzidas a nível mundial – 112 conferências episcopais, movimentos, associações, pessoas singulares e grupos, entre outros – aponta como “obstáculo particularmente relevante” para a vida das comunidades católicas “o escândalo dos abusos cometidos por membros do clero ou de pessoas que desempenham um cargo eclesial”.

“Em primeiro lugar e sobretudo os abusos sobre menores e pessoas vulneráveis, mas também os de outro género (espirituais, sexuais, económicos, de autoridade, de consciência). Trata-se de uma ferida aberta, que continua a infligir dor às vítimas e aos sobreviventes, às suas famílias e comunidades”, pode ler-se.

Os contributos recolhidos na primeira fase sinodal, que decorreu a nível diocesano desde outubro de 2021, apontam a transparência como “um fator essencial para uma Igreja autenticamente sinodal”.

“Assinala-se também a importância de proporcionar formas de acolhimento e proteção às mulheres e aos eventuais filhos dos sacerdotes que quebraram o voto do celibato, que de outro modo correm o risco de sofrer graves injustiças e discriminações”, realça o texto.

As várias sínteses enviadas ao Vaticano apontam a importância de “libertar a Igreja do clericalismo, de modo que todos os seus membros, tanto sacerdotes como leigos, possam realizar a missão comum”.

Os participantes dos cinco continentes criticam “estruturas hierárquicas que favorecem tendências autocráticas” e “uma cultura clerical individualista que isola as pessoas e fragmenta as relações entre sacerdotes e leigos”.

O texto publicado pela Secretaria-Geral do Sínodo assinala que a Igreja tem “necessidade de dar uma forma e um modo de proceder sinodal também às próprias instituições e estruturas, particularmente de governo”.

“Caberá ao direito canónico acompanhar este processo de renovação das estruturas, também através das necessárias modificações das ordens atualmente em vigor”, indica o organismo do Vaticano.

Texto apela a “opção pelos jovens, as pessoas com deficiência e a defesa da vida”

O documento de trabalho aponta como prioridades para a Igreja a “opção pelos jovens, as pessoas com deficiência e a defesa da vida”.

“Numerosas sínteses assinalam a falta de estruturas e modalidades de acompanhamento apropriadas às pessoas com deficiência e apelam a novos modos para acolher o seu contributo e promover a sua participação”, indica o texto, que resulta das sínteses elaboradas a partir de uma consulta mundial, na primeira fase do processo sinodal, iniciado em outubro de 2021.

O novo documento fala desta experiência de forma positiva, como “um percurso de reconhecimento para aqueles que não se sentem suficientemente reconhecidos na Igreja”.

“Isto é particularmente verdadeiro para os leigos e leigas, diáconos, consagrados e consagradas que antes tinham a sensação de que a Igreja institucional não se interessava pela sua experiência de fé ou pelas suas opiniões”, pode ler-se no texto, divulgado hoje em conferência de imprensa.

O documento destaca a iniciativa do ‘Sínodo digital’, um “significativo esforço para pôr-se à escuta dos jovens e oferece novos pontos para o anúncio do Evangelho”.

Entre os frutos da experiência sinodal, diversas sínteses põem em evidência o reforço do sentimento de pertença à Igreja e a tomada de consciência a nível prático de que a Igreja não são só os sacerdotes e os bispos”.

A Secretaria-Geral do Sínodo, responsável pela publicação, elenca as “as palavras-chave do caminho sinodal”, falando, entre outas, no “impulso para a saída em missão”, no diálogo ecuménico e inter-religioso, na participação de todos, na abertura, no acolhimento e na importância da liturgia.

“Muitas sínteses encorajam fortemente a prática de um estilo sinodal de celebração litúrgica que permita a participação ativa de todos os fiéis no acolhimento de todas as diferenças, na valorização de todos os ministérios e no reconhecimento de todos os carismas”, indica o novo documento de trabalho.

O texto regista fatores de “conflito”, neste campo, apelando ao “discernimento da relação com os ritos pré-conciliares”.

As comunidades católicas são chamadas a “crescer numa espiritualidade sinodal”.

“Uma Igreja sinodal acima de tudo tem necessidade de enfrentar as muitas tensões que surgem do encontro entre as diversidades. Por isso, uma espiritualidade sinodal não poderá senão ser uma espiritualidade que acolhe as diferenças e promove a harmonia e tira das tensões a energia para prosseguir no caminho”, indica o documento de trabalho para a etapa continental.

Novo documento de trabalho sublinha divergência de opiniões nas questões do diaconado feminino e ordenação presbiteral

O novo documento de trabalho desafia, ainda, a Igreja a “repensar a participação das mulheres” nas suas “práticas, estruturas e hábitos”.

“De todos os continentes chega um apelo a fim de que as mulheres católicas sejam valorizadas, acima de tudo como batizadas e membros do Povo de Deus com igual dignidade”, indica o texto que vai orientar a segunda etapa do processo sinodal lançado pelo Papa e iniciado em outubro de 2021.

A Secretaria-Geral do Sínodo, responsável pela publicação, destaca o “apelo a uma conversão da cultura da Igreja”, que leve a uma “nova cultura”.

“Isto diz respeito, antes de mais, ao papel das mulheres e à sua vocação, enraizada na sua dignidade batismal comum, para participar plenamente na vida da Igreja. Este é um ponto crítico no qual existe uma consciência crescente em todas as partes do mundo”, pode ler-se no documento divulgado esta quinta-feira, em conferência de imprensa.

A síntese sinodal que chegou da Terra Santa destaca, por exemplo, que “quem se comprometeu mais no processo sinodal foram as mulheres”, tendo “mais a oferecer pelo facto de serem relegadas para uma margem profética, da qual observam o que acontece na vida da Igreja”.

“Não obstante a grande participação das mulheres nas várias atividades eclesiais, são muitas vezes excluídas dos principais processos de decisão”, lamentam, por sua vez, os católicos da Coreia.

A Igreja encontra-se a enfrentar dois desafios relacionados entre si: as mulheres permanecem na maioria dos que frequentam a liturgia e participam nas atividades, sendo os homens uma minoria; contudo, a maior parte dos papéis de decisão e de governo são desempenhados por homens”.

O novo texto admite que os contributos recebidos pelo Vaticano “não concordam quanto a uma resposta única e exaustiva à questão da vocação, da inclusão e da valorização das mulheres na Igreja e na sociedade”. “

Muitas sínteses, depois de uma atenta escuta do contexto, pedem que a Igreja prossiga o discernimento sobre algumas questões específicas: papel ativo das mulheres nas estruturas de governo dos organismos eclesiais, possibilidade para as mulheres com adequada formação de pregar no âmbito paroquial, diaconado feminino”, elenca a Secretaria-Geral do Sínodo.

Posições bastante mais diversificadas vêm expressas a propósito da ordenação presbiteral para as mulheres, que algumas sínteses desejam, enquanto outras a consideram uma questão fechada”.

O texto orientador recolhe o contributo dos Institutos de Vida Consagrada, destacando que “nos processos de decisão e na linguagem da Igreja, o sexismo está muito difuso”, alertando que “as religiosas são, muitas vezes, consideradas como mão de obra barata”.

As sínteses recebidas dos cinco continentes assumem o desejo de que “a Igreja e a sociedade sejam para as mulheres um lugar de crescimento, participação ativa e sã pertença”.

“Perante as dinâmicas sociais de empobrecimento, violência e humilhação que enfrentam em todo o mundo, as mulheres pedem uma Igreja que esteja do seu lado, mais compreensiva e solidária no combate destas forças de destruição e exclusão”, acrescenta o DEC.

O Papa anunciou a 16 de outubro, no Vaticano, que o processo sinodal iniciado em 2021 vai ser prolongado em mais um ano, com uma dupla sessão conclusiva, em 2023 e 2024.

A 16ª assembleia geral do Sínodo dos Bispos, com o tema ‘Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão’, começou, nos últimos meses, com um processo inédito de consulta e mobilização, de forma descentralizada, a nível de cada diocese, preparando os encontros continentais que vão decorrer nos próximos meses.

O Sínodo dos Bispos pode ser definido, em termos gerais, como uma assembleia de representantes dos episcopados católicos de todo o mundo, a que se juntam peritos e outros convidados, com a tarefa ajudar o Papa no governo da Igreja.

A primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos decorrerá de 4 a 29 de outubro de 2023.

O documento de trabalho para a etapa continental (DEC) será enviado a todos os bispos diocesanos.

“Cada um, juntamente com a equipa sinodal diocesana que coordenou a primeira fase, proverá a organizar um processo eclesial de discernimento sobre o DEC”, indica o Vaticano.

Com o envolvimento da própria equipa sinodal, cada Conferência Episcopal tem a tarefa de “recolher e sintetizar, na forma mais apropriada ao seu contexto”, as reflexões vindas das diversas dioceses.

Entre as questões sugeridas para a reflexão, a Secretaria-Geral do Sínodo pede que se identifiquem “quais são as prioridades, os temas recorrentes e os apelos à ação que podem ser partilhados com outras Igrejas locais no mundo e discutidos durante a primeira sessão da Assembleia sinodal em outubro de 2023”.

Sobre a base dos Documentos Finais das Assembleias Continentais, até junho de 2023 será redigido o ‘Instrumentum laboris’ (Instrumento de trabalho) para o primeiro encontro mundial no Vaticano.

As assembleias continentais vão ser desenvolvidas de acordo com a seguinte divisão: Europa (CCEE), América Latina e Caraíbas (CELAM), África e Madagascar (SECAM), Ásia (FABC), Oceânia (FCBCO),

América do Norte (EUA + Canadá) e  Médio Oriente (com a contribuição das Igrejas Católicas orientais).

(Com Ecclesia)

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