Esta economia mata mesmo

Por Carmo Rodeia

Socorro-me de uma das mais emblemáticas frases do Papa Francisco que hão de sobreviver a este pontificado como uma marca de referência do estilo deste Papa Argentino e do que deve ser a atuação da Igreja. Sempre!

Ao contrário da maioria dos comentadores, o Papa não faz política preferindo anunciar a Alegria do Evangelho e é nessa exortação apostólica A Alegria do Evangelho, que encontramos as principais chaves de leitura deste pontificado no que diz respeito à intervenção social da Igreja e que se calhar deveria inspirar outros campos decisores.

Vem isto a propósito de uma noticia divulgada esta segunda feira que dá conta, novamente,  de que 1% da população ficou com 80% da riqueza mundial em 2017. Os números são do relatório “Recompensem o trabalho, não a riqueza”, da organização não-governamental Oxfam.

Segundo a Comissão de Combate à Fome de Oxford (Oxfam, no acrónimo em inglês da confederação de 17 organizações não-governamentais) houve um aumento histórico no número de multimilionários no mundo: “atualmente existem 2.043 multimilionários no mundo e 9 em cada 10 são homens”.

A riqueza dos multimilionários aumentou 13% ao ano em média desde 2010, seis vezes mais do que os aumentos dos salários pagos aos trabalhadores (2% ao ano).

O mesmo relatório indica que em 2017 a riqueza desse grupo aumentou 762 mil milhões de dólares (622,8 mil milhões de euros), uma verba suficiente para acabar mais de sete vezes com a pobreza extrema no mundo.

O crescimento sem precedentes do número de milionários não é um sinal de uma economia próspera, mas um sintoma de um sistema extremamente injusto e incompreensível já que mais de metade da população mundial tem um rendimento diário entre 2 e 10 dólares (entre 1,6 euros e 8,1 euros).

“Mantendo o mesmo nível de desigualdade, a economia global precisaria ser 175 vezes maior para permitir que todos passassem a ganhar mais de 5 dólares (4 euros) por dia”, concluiu a análise.

Em novembro de 2013, quando publicou a Alegria do Evangelho, o Papa Francisco já alertava: “Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras” (56). “O sistema social e económico é injusto na sua raiz (…) É o mal cristalizado nas estruturas sociais injustas, a partir do qual não podemos esperar um futuro melhor” (59). “Não podemos mais confiar nas forças cegas e na mão invisível do mercado” (204). A última frase, citada da encíclica de Paulo VI Populorum Progressio em 1967 (n.º 9), mostra como é antiga esta denuncia da Igreja.

Francisco acusa a economia de matar, e esclarece: “Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspetivas, num beco sem saída” (53).

Terça Feira começa em Davos o Fórum Economico Mundial. Este ano vai ser comandado por sete mulheres, num esforço inegável de paridade e de combate à desigualdade do género. Mas, o fórum desta semana pode revelar-se mais embate que encontro. O próprio tema deste ano é “Um Futuro Partilhado Num Mundo Fraturado” , procurando sublinhar que apesar das assimetrias e do globalismo político há uma “plutocracia com consciência”, corre riscos.

Trump vai estar na primeira fila, quebrando uma ausência dos presidentes norte americanos que já leva 18 anos. Julgo que não teremos muitos motivos para esperar grandes mudanças. Esta Economia vai mesmo continuar a matar e a erguer muros, para tapar as valas comuns.

 

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