Famílias perfeitas

Pelo Pe Teodoro Medeiros

Cinema introspetivo; uma espécie de intervenção social na vida íntima das pessoas normais. “Uma Família Perfeita”, de 2012; “Perfeitos Desconhecidos” de 2016, são os 2 filmes que aqui se consideram. Muito diferentes, mas, mesmo assim, com muitos pontos de contato; filmes sobre os segredos que cada um esconde.

No primeiro caso, um grande artifício rege o filme: a família perfeita é um conjunto de atores, pago para “fazer de conta”, só para o dia de Natal. Leone, o pagante, paga para que seja assim. Porque o faz, quem é ele verdadeiramente, não nos é dado saber. E corre o filme; homem emocionalmente instável.

A quem escreve estas linhas, aconteceu algo curioso; por não ter visto antes nenhuma informação, não sabia da premissa do filme (que o próprio trailer revela). Digamos que a primeira cena do filme, em que Leone rejeita o ator que faz de filho, é terrível para quem não está ao corrente da situação!

Os pontos fortes: bom trabalho de atores, muitos momentos cómicos e cenas inesperadas. É nessas, em que os 2 planos se confundem e a incerteza se instala, que o filme mais surpreende e prende. E os defeitos e virtudes apontados àquelas pessoas são-no, é esse o objetivo, apontados a todas as famílias, a todas as pessoas.

Mas fica uma certa desilusão; a crítica é fácil, os lugares comuns abundam. Não há boas cenas familiares fortes (a não ser que se conte a interrupção e discurso durante a missa de Natal; atabalhoada como tudo…). E, chegámos lá, até os melhores diálogos se perdem… porque é tudo a fingir.

Faltou seguir o caminho traçado; os atalhos aqui são muitos (distrai-te espetador, não quero que passes um segundo de aborrecimento!). É pena; nem se retratam bem o interior dos familiares, nem dos atores. Vá lá, a última parte quer falar do que é o amor adulto. Seis em dez.

“Perfeitos Descohecidos”. Um grupo de amigos janta em casa. Alguém se lembra de fazer um jogo: telemóveis em cima da mesa e todos ouvem as comunicações uns dos outros. As surpresas vão ser muitas e fortes (fortes demais; os cardíacos estarão mais seguros num filme do Rambo).

Mesmo assim, 2 ou 3 coisas são admiráveis; antes de tudo os atores, seguros, eficazes, convincentes, sem falhas. É sempre refrescante ver a cara dos atores enquanto trabalham; o cinema não é fotografia, um micro-nanosegundo infinitésimo que foi congelado no tempo e que só por sorte tem alguma emoção.

A tal intervenção social da privacidade tem aqui pontos altos. A escrita é muito acutilante, o conflito de gerações recebe um tratamento breve mas de luxo. Um senão: certos pontos criticados são bastante banais, saidinhos de um qualquer manual de crítica aos casais modernos.

Os valores de produção são mais que competentes. As filmagens, com várias pessoas sentadas na mesma mesa, devem ter sido um pesadelo logístico. Mas a verdade é que não se nota. O filme está bem feito; a técnica não fica a dever nada nem ninguém.

É demasiado perfeito para uma qualquer ilusão; estamos em território de cinema autoconsciente, científico, com preocupações do impacto que pode ter. O que consegue, consegue bem. Perde-se um pouco ao querer criar choque. Mas vale a pena seguir o realizador. O que fará ainda Paolo Genovese?

Também parece dizer: -“li as críticas aos meus filmes anteriores que diziam que a comida aparecia por magia na mesa e pus os atores a fazer comida e a trazê-la para a mesa como acontece na cozinha das pessoas normais.”

Em resumo, o ótimo é inimigo do bom; uma boa crítica social perde força quando reúne numa mesma mesa só casos radicais. A não ser que se tratasse de uma prisão de alta segurança.

Seis em dez.

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