Igreja açoriana promove debate sobre a família no contexto atual

Incentivos à natalidade, promoção da família, as novas realidades familiares e os contextos sócio económicos foram algumas das temáticas abordadas.

Como gerar vida e construir o futuro a partir da realidade concreta foi o mote lançado pelo Serviço Diocesano de Apoio à Pastoral da Família na iniciativa que promoveu e juntou esta quinta-feira as professoras universitárias Maria do Céu Patrão Neves e Piedade Lalanda, em Ponta Delgada, no Dia Internacional da Família, assinalado no âmbito da Semana da Vida.

O responsável diocesano pela Pastoral da Família, Pe José Constância, lembrou que hoje há um problema concreto de natalidade, “que é baixa” e há também “dificuldades materiais” que condicionam “a inversão” desta tendência.

 

“Como fazer da família uma comunidade de amor que supere todas as dificuldades” e que se assuma como “um elemento fundamental na construção de uma cultura de encontro e de partilha que valorize a vida em todas as suas fases” foram as questões deixadas pelo sacerdote às duas convidadas.

 

Maria do Céu Patrão Neves, eurodeputada e professora catedrática de ética, foi a primeira a usar da palavra sublinhando a importância dos dois conceitos em análise: a vida e a família.

 

“A família é o berço da vida e é a geração da vida que vai constituindo famílias” disse Maria do Céu Patrão Neves lembrando que “o poder de gerar uma vida não é um direito, assente apenas na liberdade individual;  é antes de mais um dever assente na responsabilidade infinita”.

 

Patrão Neves foi mesmo mais longe dizendo que gerar vida “não é apenas um mero ato biológico mas um ambicioso projeto afetivo” e, desse ponto de vista “é mais um dever e uma responsabilidade do que um direito”.

 

“A reivindicação do direito a gerar vida tem conduzido a verdadeiros atentados da dignidade humana” frisou Patrão Neves classificando a situação de “arrogância” quando alguém quer condicionar ou moldar os filhos à sua imagem e semelhança ou os priva, por exemplo, do conhecimento de um dos seus progenitores.

 

“Gerar vida é o ato mais divino que é acessível ao homem” e isso deve ser encarado “com uma enorme responsabilidade e nunca apenas como um direito”, concluiu Maria do Céu Patrão Neves.

 

E, tal como o direito pressupõe responsabilidade, o ato biológico pressupõe afetividade.

 

“Quando alguém decide ter um filho fá-lo com base num projeto de amor que deve ser um berço espiritual para essa nova vida e isso não se esgota num ato biológico do momento do nascimento”.

 

“Há toda uma vida para cuidar”, sublinhou a especialista em bioética,  desde o nascimento até à morte “nesse grande arco da vida humana”.

A especialista reconheceu, contudo, que hoje é mais difícil gerar novas vidas “por questões materiais agravadas pela crise”, mas sobretudo “pelas prioridades invertidas”.

 

Patrão Neves lembrou que os níveis de natalidade são baixos desde a década de oitenta e embora as atuais condições de vida tenham acentuado as dificuldades, a verdade é que “hoje o fazer ser da vida humana está francamente em causa em todo o mundo ocidental com taxas de natalidade claramente insuficientes para promover a renovação de gerações”.

 

Aliás a taxa de natalidade em Portugal deveria ser de 2,1 filhos por casal e situa-se nos 1,3 filhos “o que é manifestamente pouco”, concluiu Patrão Neves, dizendo que a situação “é grave há muito tempo”.

 

Sobre o caminho a seguir, a eurodeputada defendeu o desenvolvimento de uma política de natalidade que “não esqueça o contexto da família”, concretamente o estímulo para as famílias numerosas ao nível concreto de isenções fiscais e apoios de natureza variada, a flexibilização laboral, etc.

 

“O futuro da sociedade e do país, em concreto depende da nossa capacidade em criarmos as condições favoráveis para gerar vida mas sempre integradas numa política de família e não como fios avulsos”, rematou a professora de bioética.

 

Piedade Lalanda abordou a questão numa perspetiva mais sociológica lembrando que, hoje, o que falta à estrutura familiar é essencialmente a noção de “compromisso” que as condições materiais mais precárias “agravam necessariamente” tendo um impacto grande na vida de muitas famílias.

 

Partindo da noção da família enquanto “unidade relacional, a socióloga lembrou as configurações diferentes que esta realidade apresenta hoje “que não podem ser ignoradas” e que devem merecer uma “reflexão” aprofundada porque as respostas da sociedade à família também “têm de ser diferentes”.

 

Referindo-se à realidade concreta, Piedade Lalanda revelou números que enquadram a problemática da família.

 

O aumento das famílias unipessoais, sobretudo idosos com mais de 65 anos; o crescimento do número de famílias monoparentais que em 2011 rondava os 15% (acima da média nacional); o número crescente  de famílias reconstituídas acima também da média nacional (7,1%), o que na opinião desta especialista “tem razões concretas” que devem ser atendidas e sobretudo seguidas.

 

A socióloga referiu, também, os números do divórcio que nos Açores estão acima da média nacional- 2,9% para 2,4% respetivamente- , predominando o divórcio nos casamentos com menos de 10 anos.

 

“Estas realidades têm de merecer uma reflexão para protegermos a família” disse Piedade Lalanda que elencou também várias explicações para justificar alguns destes números nomeadamente as condições sociais e materiais que condicionam a estabilidade da família.

 

A alteração dos papeis do homem e da mulher na sociedade, a valorização da carreira profissional, os métodos contracetivos, as dificuldades financeiras foram alguns dos aspetos apontados pela socióloga para justificar a baixa taxa de natalidade e a crise que a família atravessa.

 

“O ponto central desta problemática é o compromisso e quando ele se rejeita tudo fica muito instável. O compromisso pressupõe diretos e deveres e as pessoas têm de os assumir em toda a sua extensão. Se não fazem ou não estão disponíveis para o fazer toda a estrutura abala”, sublinha a socióloga.

 

Piedade Lalanda identificou a família como “um espaço de recursos” que deve ser construído com base “na comunicação” e no “diálogo”, em que “o respeito de um pelo outro é essencial”.

 

“Hoje mais do que a escassez de rendimentos o que incapacita uma família é a má qualidade das relações que a constroem” e é a isto que todos “devemos responder”, sempre numa perspetiva “de acolhimento” e de “tolerância” procurando “ajudar a família- cada uma em concreto- a superar a dificuldade remetendo-a para aquilo que é essencial: o conhecimento mútuo e a comunicação através dos afetos”.

 

Depois das comunicações seguiu-se um momento de debate onde foram afloradas as novas formas de família, as respostas que o estado dá às famílias através das suas políticas e o papel que cabe à igreja na promoção e defesa da família.

 

A Semana da Vida prossegue esta sexta feira com a conferência “Celebrar a vida” numa iniciativa conjunta entre os serviços diocesanos de apoio à pastoral da família e da saúde.

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