Jornais da igreja foram “verdadeira” escola de jornalismo nalgumas ilhas

Dispersão geográfica condiciona afirmação de um projeto de comunicação social regional

Os jornais católicos “foram grandes escolas” de jornalistas afirmou ao sítio Igreja Açores o Pe Francisco Dolores, colaborador diário de vários jornais diocesanos, com particular destaque para A União, onde escreveu diariamente entre 1981 e 2001.

E, foram, sobretudo um “instrumento poderoso de anuncio”, num momento em que a igreja foi atacada e “existia um forte sentimento anticlerical”, particularmente nos finais do século XIX, defende o sacerdote.

“A história da igreja nestas ilhas não se dissocia da sua imprensa” quer a que era propriedade da Diocese, já no século XX, quer a imprensa generalista, que depois do fim do liberalismo “deixou de ser hostil”, sublinha o Pe Francisco Dolores.

Aliás, esta “tolerância”, por vezes até mesmo “cumplicidade” com a Igreja , por parte da comunicação social generalista, poderá ter sido um dos fatores que “mais contribuiu para a falência de alguns dos títulos diocesanos” que não aguentaram a concorrência e as dificuldades financeiras, sublinha o Reitor do Santuário da Conceição, em Angra do Heroísmo.

A Crença (semanário), Vila Franca do Campo; O Dever (semanário), Calheta de São Jorge; A Verdade (semanário) e A União (diário) em Angra do Heroísmo; Sinos d´Aldeia (quinzenário), Bandeira do Pico; no Faial, Boa Nova (quinzenário), Voz do Campo (quinzenário), O Futuro (quinzenário, distribuído também no Pico) e o Correio da Horta, são alguns dos títulos que contribuíram para a afirmação da mensagem católica.

Com a implantação do Estado Novo e o desaparecimento de muitos jornais republicanos radicais, o ambiente tornou-se menos hostil à Igreja. Mas quando A União, propriedade de Manuel Mendes da Silva, e um dos títulos mais emblemáticos da imprensa católica açoriana,  passou para o controlo da Igreja, a 1 de dezembro de 1924, a mudança foi pouco percetível.

Num pequeno artigo intitulado MAIS UM ANO valoriza-se o papel que o jornal deu nas “várias campanhas em prol de ideais mais elevados”, “afastado das mesquinhas partidárias”.

Em relação ao futuro, anuncia: “Com o auxílio de Deus continuará, como até agora, sempre na brecha em defesa dos interesses açorianos”, em especial da Terceira, “pugnando pela justiça, pela paz, pela moralidade e pela ordem, advogando de preferência a causa dos pequenos, dos pobres, dos humildes e dos perseguidos que são, em regra, os que mais carecem proteção”.

O sinal de ligação à Igreja só transparece quando o jornal clarifica que merecerá atenção a defesa da Igreja Católica, “tão injustamente perseguida nos últimos anos em Portugal” e quando os seus diretores, durante as décadas seguintes são quase todos sacerdotes.

É, aliás, neste contexto que no cabeçalho começa a apresentar-se como diário católico.

“Quem quiser estudar a nossa história política, social, cultural ou desportiva tem obrigatoriamente de folhear as páginas do jornal”, diz o Pe Francisco Dolores que sublinha o facto de muitos dos correspondentes do jornal serem sacerdotes e dele conter nas suas páginas suplementos temáticos importantes, como a página infanto-juvenil, a das mulheres, a União Pastoral, monografias das freguesias, Quarto Crescente, Escutismo, e o conceituado Glacial, “ que marcou o panorama cultural açoriano”.

Este suplemento de Artes e Letras, com início a 15 de Julho de 1967, deu origem à chamada “geração glacial”. Nela se integravam jovens com “perspetivas mais progressistas”, que contestavam o poder político, dentro dos condicionalismos impostos. O movimento alargou-se a escritores de várias ilhas, congregando um alargado núcleo que se afirmou no campo literário.

O título mais emblemático da imprensa católica açoriana acabaria por encerrar a 30 de novembro de 2012,  por “não ser sustentável” na atual conjuntura económica.

Atualmente a Diocese tem, apenas, o Sítio Informativo Igreja Açores (www.igrejaacores.pt) e dois títulos impressos-  A Crença e o Dever- jornais cujas vendas resultam quase exclusivamente de assinaturas e têm uma dimensão muito local.

“No Final da primeira metade do século XX, para além dos títulos de imprensa havia, também, uma série de folhetos e boletins paroquiais onde a mensagem do Evangelho era muito divulgada e de forma muito esclarecida”, destaca ainda o Pe Francisco Dolores.

“Lembro-me por exemplo, nos anos 60, do Renovar, de Santa Maria ou do Semeador das Lajes, que foram um espaço de anuncio permanente das conquistas e das decisões do Concilio Vaticano II, que mostravam uma igreja muito viva e de vivência comunitária”, conclui.

A imprensa regional da Igreja em Portugal, em particular na Diocese de Angra é um fenómeno único e irrepetível da Europa e ainda hoje está por estudar essa verdadeira dimensão.

Para o Pe Francisco Dolores “é preciso perceber a sua essência e o seu contexto próprio”.

“As notícias são importantes mas há aspetos formativos que devem ser atendidos e a imprensa cristã deve ter isso muito presente, porque essa é a sua mais valia” diz o pe Francisco Dolores lembrando que não pode, no entanto, haver uma confusão entre aquilo que é “o altar e a notícia”.

“Por vezes abro os jornais, qualquer um , e vejo muita informação e pouco discernimento. O grau de iliteracia que ainda temos aconselharia a que apostássemos mais na opinião, com coragem e com sentido “ remata o ex colaborador da União, frisando que ainda gostava de voltar a ver nas bancas um jornal diocesano.

“Nem que fosse mensário mas que chegasse a todo o lado, sobretudo aqueles que ainda estão na periferia das novas tecnologias e que também merecem uma palavra de conforto”.

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