Judas Iscariotes superstar

Pelo padre Teodoro Medeiros

De entre os filmes sobre a vida de Jesus, apenas dois pertencem ao género musical: “Godspell” e “Jesus Christ Superstar”. Este último baseado num musical criado por Andrew Lloyd Weber e Tim Rice em 1970. O filme é de 1973, apresentando novos intérpretes vocais que também representam os respetivos papéis no ecrã. Foi proibido em alguns países por ser considerado blasfemo.

Do ponto de vista doutrinal, o filme e as canções nunca afirmam nada contra a fé cristã: é verdade que o protagonista nunca faz nada que o declare como Deus, mas também o é que não se encontra em nenhum momento uma negação dessa verdade de fé. Trata-se de uma estória sobre a última semana do fundador do Cristianismo e que não se afasta dos relatos evangélicos na concatenação dos eventos.

O choque estético tem que ver com as roupas dos atores e alguns elementos da vida moderna apresentados: o vestuário é puro anos setenta, algumas coreografias recordam a série “Fame”, os soldados usam tanto espingardas como lanças, há tanques de guerra. Esses elementos pretendem trazer atualidade aos procedimentos e devem ser bem-vindos. E a ironia dos postais de correio no Templo é saborosa.

Além destas considerações prévias, a força da aproximação é que aqui se suplanta o grande defeito do que veio antes (e depois também), a excessiva divinização e reverência no retrato de Jesus, que se exprime na ausência de emoções fortes. Neste filme acontece o contrário, em linha com o evangelho de Marcos: Ele zanga-se, grita, sente medo e dúvida, não aceita facilmente a morte própria.

Há um momento que resume o valor deste filme: a oração no Getsémani, uma luta explícita do Jesus que se confronta com a iminência do momento decisivo. Aí, Ele dirige-se para a montanha para falar com o Senhor, perguntando porque deve morrer, que recompensa terá, se o que tinha dito e feito seria ainda relevante, para aceitar finalmente a vontade de Deus. É de excelência, e não só musicalmente.

Um olhar profundamente humano atinge cada personagem, Judas à cabeça, avisando o seu amigo sobre como era tudo mais simples no princípio: “Sem essa conversa de Deus, considerávamos-te um homem”. As coisas foram longe demais, ganharam uma dimensão tal que ameaçava destruí-los a todos: quando descobrirem que não és o messias que eles esperam, vão esmagar-nos.

Judas entregará o Mestre às autoridades judaicas para que Ele seja preso, uma decisão a que ele chegou depois de longa consideração: é preciso salvar o Mestre de si Mesmo. Que Judas não visse em Jesus o Filho de Deus não está em contradição com a tradição cristã, onde não há uma versão oficial sobre as intenções do traidor, apenas condenação unânime (o que também aqui acontece). Judas é, de resto, um dos personagens mais intrigantes em absoluto, tanto no filme como nos evangelhos.

Além de Judas, também Maria Madalena conhece destaque, e as suas canções demonstram um cuidado gentil sobre Jesus: porque não descansa Ele e procura paz, porque alimenta a confusão à sua volta? A vida pode ser mais muito simples para quem não se preocupa demasiado. Ela é mesmo a contrapartida feminina daquele discípulo, proporcionando alívio onde Judas apresentava discussão, confronto e alguma agressividade.

Entre todas as versões musicais disponíveis, a melhor parece ser de resto a incluída no filme, mais visceral, com vozes mais exuberantes, carregadas de emoção, mais cruas e estridentes, mais convictas e honestas se comparadas com outras apresentações mais lineares, arredondadas e que não fazem justiça ao texto. Até mesmo as vozes de Anás e Caifás, ora tétricas, ora estridentes são de um efeito que deixa as versões mais modernas a anos-luz no retrovisor.

Aquando do jubileu do ano 2000, o próprio Vaticano promoveu uma apresentação do musical, desfazendo as dúvidas sobre a sua posição em relação ao seu valor catequético. O Papa Paulo VI assistiu originalmente ao filme no Vaticano, com o realizador Norman Jewison, e terá dito que este podia levar muitas pessoas a uma maior proximidade com Deus. O que de facto aconteceu porque, quase 50 anos depois, muitos são os testemunhos de pessoas cuja caminhada de conversão começou com o filme.

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