Mulheres associam-se às romarias quaresmais em São Miguel

Primeira romaria sai este sábado da Ribeira Chã, na Lagoa

Maria do Espírito Santo Medeiros foi a primeira romeira dos Açores e a responsável pela criação das romarias quaresmais femininas, depois de séculos em que a tradição esteve vedada às mulheres.

Estava em curso, há 20 anos, um conflito militar na antiga colónia portuguesa da Guiné-Bissau, quando Maria Medeiros, de 71 anos, decidiu, com a ajuda de um familiar, promoveu uma romaria à Ermida de Nossa Senhora da Paz, em Vila Franca do Campo, na ilha de São Miguel, algo que padecia da aprovação da Igreja. O objetivo era “pedir pela paz” para a ex-colónia portuguesa.

As romarias quaresmais açorianas terão surgido na sequência de terramotos e erupções vulcânicas ocorridas no século XVI na ilha de São Miguel, que arrasaram Vila Franca do Campo e causaram grande destruição na Ribeira Grande.

Milhares de homens, organizados em ranchos, por freguesia, dão a volta à ilha, a pé, rezando o terço, durante oito dias, parando em todas as igrejas e dormitando nos lares das comunidades por onde passam, onde são acolhidos voluntariamente.

Contrariamente às romarias masculinas, as femininas têm uma duração inferior a 24 horas, à exceção da Romaria feita pelo rancho de romeiras da Fajã de Cima, que envolve já três pernoitas.

Para realizar a romaria feminina, Maria Medeiros procurou o pároco da sua freguesia, justamente a Fajã de Cima, a cinco quilómetros do centro de Ponta Delgada, que entrou em contacto com o bispo da Diocese de Angra.

O bispo deu o seu aval, mas impôs, segundo Maria Medeiros, que, contrariamente aos romeiros, que levam na sua caminhada um xaile, um lenço, um bordão e um terço, as mulheres usassem como indumentária apenas um lenço e um terço.

Estava aberto o precedente para que se pudessem realizar, então, romarias femininas, uma vez que as mulheres que participaram na marcha pela paz insistiram em continuar, anualmente, pela Quaresma, pretensão que não era bem acolhida pela maioria dos romeiros, como explica a promotora da iniciativa.

“No princípio, saíamos numa sexta-feira da Fajã de Cima, em romaria para a Senhora da Paz, durante a noite. Durante muitos anos, fomos para aquela ermida, saindo na semana dos ramos, para chegar no domingo e integrar a procissão da freguesia”, declarou, explicando que no primeiro ano foram 30 as mulheres romeiras, mas chegaram a ser 135, “uma vez que começaram a vir pessoas das outras freguesias”.

Após ter surgido a romaria feminina da Fajã de Cima, foi criado um novo “rancho” feminino na freguesia de Santa Clara, em Ponta Delgada, hoje o mais representativo dos cinco existentes na ilha de São Miguel, que congrega cerca de 900 pessoas.

“Andar como nós andamos, sair de casa para isso, é um ato de fé, apesar de admitir que há mulheres que vão na romaria arrastadas por colegas”, afirmou Maria Medeiros, que ainda hoje, apesar da idade, se associa às romarias, apoiadas logisticamente por romeiros.

Este sábado parte o primeiro “rancho” feminino, com cerca de uma centena de romeiras da ouvidoria da Lagoa. Saem às 6h00 da Igreja de São José, na Ribeira Chã, em direção à Igreja do Livramento. O grupo recebeu formação espiritual, assente na misericórdia mas também ao nível dos cânticos e das orações, com uma direção espiritual assegurada pelo Pároco de Santa Cruz, que é o assistente do Movimento dos Romeiros de São Miguel, Pe Nuno Maiato.

Também este ano voltará a sair a Romaria de Santa Clara, que fará a sua peregrinação entre esta paróquia e as Calhetas de Rabo de Peixe.

CR/LUsa

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