Nunca, nunca, nunca mais

Pelo Padre José Júlio Rocha

Edith Stein, com o nome carmelita de Teresa Benedita da Cruz, foi uma judia cristã, canonizada por João Paulo II em 1998.

Nasceu em Wroklaw, então cidade alemã, hoje polaca, a 12 de outubro de 1891. Filha mais nova de uma família numerosa de judeus praticantes, Edith mostrou-se, desde muito jovem, uma intransigente buscadora da verdade.

Em 1913 cursa filosofia em Göttingen, onde se torna aluna e assistente do fundador da fenomenologia, Edmund Husserl. Cansada de procurar respostas e não as encontrar, Edith decidiu procurar as respostas no próprio homem, na filosofia. Já então abandonara a fé dos seus pais, passando por uma fase de ateísmo, sem nunca renunciar à sua identidade hebraica. Brilhante pensadora, revelou-se uma das primeiras mulheres mais influentes no mundo da filosofia, onde quase só os homens reinavam. Assistente da Cruz Vermelha durante a Primeira Guerra, descobre, no sofrimento dos outros, que a doação e a empatia são o modo de vida mais perfeito. A sua conversão ao cristianismo dá-se quando lê a biografia de Santa Teresa de Ávila: “Quem procura a verdade procura Deus, ainda que não o saiba.” É assim que define o seu percurso de vida. Batiza-se a 1 de Janeiro de 1922.

Por essa altura, nascia na Alemanha um movimento de protesto contra a humilhante capitulação do Tratado de Versailles, contra a República de Weimar, cujos políticos eram considerados como vendidos e corruptos, um movimento antissistema, que considerava os judeus um praga na Alemanha e na Europa, um movimento que pugnava por uma Alemanha orgulhosa e superior, dominada por uma raça de homens e mulheres fortes, determinados a lutar, a vencer, a nunca perder. Os arianos eram seres superiores, os judeus eram ratos que espalhavam a peste da inferioridade.

Quando Edith Stein recebe o hábito religioso, em 1934, em Colónia, já este movimento está no poder. Adolf Hitler não era mais do que um propagandista insignificante no início dos anos 20, quase ignorado pelos políticos do sistema de então, mas os seus discursos inflamados foram, aos poucos, encontrando eco no descontentamento do povo alemão que, em protesto contra o sistema, o ia apoiando e minimizando o ódio que vertia das suas palavras. O herói contra o sistema dos fracos e corruptos chega ao poder em 1933. Começava a Alemanha Nazi e o povo de Edith Stein sofria as consequências.

A 7 de Novembro de 1938 um judeu, cujos pais tinham sido deportados para um campo de concentração, assassina, em Paris, um diplomata alemão. A reação, por toda a Alemanha, foi espantosa. Na noite de 9 de novembro, os civis saíram à rua e começaram a partir as montras dos negócios judaicos, a incendiar as suas casas, a destruir milhares de sinagogas, centenas de judeus mortos, livros hebraicos queimados em monumentais fogueiras, com as autoridades políticas, policiais e militares, de braços cruzados perante esse cenário de violência e morte. Foi a “Noite de Cristal”. A opinião pública alemã considerou esse acontecimento pouco mais que banal.

Edith Stein viu-se forçada a refugiar-se na Holanda, num convento de carmelitas. Entretanto, rebenta a Segunda Guerra e a Holanda é tomada pelos Nazis. Começa a deportação em massa de judeus para os campos de extermínio.

No dia 20 de julho de 1942 os bispos holandeses escrevem uma carta, que foi lida em todas as igrejas da Holanda, de violento protesto contra a política nazi de deportação e extermínio de judeus. Um exemplar ato de coragem da Igreja holandesa, que teve consequências brutais. A ira nazi caiu sobre os católicos da Holanda. No dia 7 de agosto de 1942, Edith Stein foi arrancada do convento e colocada num vagão para uma viagem sem regresso. Dois dias depois, o comboio entrava por debaixo do pórtico do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau. Nesse mesmo dia, Edith é despida, rapam-lhe o cabelo, dão-lhe um pedaço de sabão e obrigam-na a entrar num salão com duches dependurados no teto. Morre gaseada. Era 9 de agosto, data que a Igreja celebra a sua memória.

Anteontem celebrámos o dia da Memória das Vítimas do Holocausto, de entre as quais 6 milhões de judeus.

Em 2014 passei por Auschwitz. É o mais perfeito monumento ao ódio. Há outros, muitos deles esquecidos nos confins da Sibéria, nas montanhas da China, nos vales da Arménia, nas planícies do Ruanda ou nas aldeias dos Balcãs. Auschwitz é o mais perfeito.

Como dizia o saudoso Carlos do Carmo: Nunca, nunca, nunca mais!

*Este artigo foi publicado na edição desta sexta-feira do Diário Insular, na rubrica Rua do Palácio

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