O Ano de São José convoca a Igreja e os poderes públicos a pensar o lugar da família, do trabalho e do pobre

Padre Duarte Melo, fala na primeira pessoa e deixa claro “que não vai virar as costas à luta” contra “os populismos”

No ano em que o Papa Francisco celebra o 150º aniversário da proclamação de São José como patrono da Igreja , pelo Papa Pio IX, o padre Duarte Melo aproveita a oportunidade, em declarações ao Igreja Açores, para sublinhar a pertinência desta escolha que considera ser uma espécie de alerta à Igreja para refletir sobre “a pobreza, a família e o trabalho” atributos que, habitualmente, são realidades concretas que podem ser lidas a partir do exemplo de São José.

“São José, para nós, é um exemplo e testemunho :  Ele é o guardião da família de Nazaré e empenhou-se sempre em cuidar da família, Mesmo com as dificuldades esteve sempre presente” refere o padre Duarte Melo destacando duas outras dimensões, “que nos remetem para a atualidade” na vida do pai adotivo de Jesus.

“A vida de São José, desde o inicio, não é uma vida fácil: um homem pobre, carpinteiro, que viveu momentos de dor e dificuldade; que teve de sair da sua terra, que foi um migrante, que teve de procurar trabalho, mas que ao mesmo tempo nunca deixou de ser resiliente e obediente”, refere o pároco de São José.

São José é uma “figura singular na vida dos Cristãos e fundamental para a história da Salvação” sublinha o sacerdote ao sinalizar que o Papa Francisco “volta a convidar a igreja a refletir sobre esta figura tão importante para os nossos dias” não só pela “sua dimensão de homem do silêncio e dos gestos” mas sobretudo como “aquele que se reinventou para responder aos desafios que lhe eram colocados”, com “gestos de ternura, a ternura da generosidade e da obediência”.

“Dele temos de aprender esta capacidade de escutar Deus nos silêncios e interpretar os sinais” e hoje, os sinais “são claros” refere o padre Duarte Melo que lidera uma paróquia vizinha de uma das zonas mais problemáticas da cidade de Ponta Delgada- o Campo de São Francisco- onde há uma “indigência de fim de linha, com alguns repatriados, alcoolismo, toxicodependentes, que precisam de ter um outro tipo de ajuda, para além do mero assistencialismo, da moedinha”.

“São precisas respostas assertivas que ainda não encontrámos” lamenta ao reconhecer que “o que acontece no campo de São Francisco é o que acontece na sociedade” e que já deveria ter merecido outro tipo de intervenção com o número de instituições que está a trabalhar no terreno.

“São José sendo um homem pobre e de pobreza também nos desafia a olhar para estas pessoas de outra maneira, mas isso requer a capacidade de definir políticas e sérias, de coragem; não políticas populistas que incentivam à redução do rendimento social de inserção”, adianta.

“Gostava de saber como é que estas pessoas viveriam se lhes fosse tirado este apoio. A pobreza ainda seria muito maior” refere afirmando que não vai virar as costas à luta, pela “dignidade e respeito pelos pobres”.

“Não vou virar as costas a esta luta, nós não podemos virar as costas aos pobres. Este ano de São José também requer esta reflexão. A pandemia colocou-nos num exílio, tal como São José foi exilado,  temos de olhar os pobres, os jovens desempregados” adianta desafiando todos a concorrer para a definição de políticas que “dignifiquem quem trabalha” e “olhem pelos mais frágeis”.

“A Igreja não pode ficar de fora deste debate que tem de envolver todos: juntas de freguesia, câmaras municipais e governo” refere alertando, no entanto, que este diálogo tem de ser feito “fora do contexto partidário”.

“É um problema de militância cívica, de cidadania democrática, independente da cor partidária, porque por vezes esta militância partidária torna as pessoas mesquinhas e quando as coisas ficam muito no partido perde-se a noção do bem comum”, esclarece ainda.

“ Ninguém é dono de ninguém e ninguém é dono dos pobres; enganam-se os que se julgam donos dos pobres” reitera pedindo mais medidas concretas de proteção da família e de dignificação do trabalho.

“Os trabalhadores precisam de ter condições de trabalho dignas, pois o trabalho traz felicidade porque é uma forma de cooperar com o mundo; tem que haver o respeito fundamental pelos trabalhadores e, infelizmente,  as políticas neo-liberais  que tendem a vencer no mundo instrumentalizam as pessoas e roubam-lhes dignidade” constata o padre Duarte Melo alertando para a necessidade de alterar a estratégia do mundo, como o Papa tão bem tem sublinhado desde o texto da Alegria do Evangelho.

Por outro lado, refere, juntar a evocação de São José num ano dedicado à família, é uma convocatória para toda a igreja “olhar urgentemente para a realidade da família nas sociedades contemporâneas, cansadas, como o lugar de abrigo e escola de valores”.

“As famílias vão-se configurando e há diversas formas de viver atualmente em família. A família tradicional alargada já é menos comum e há outras formas a que temos de atender, por exemplo, os recasados” denota ao lembrar que é “preciso atender a estas novas realidades combatendo uma atitude, por vezes passadista que nós cristãos ainda temos: a família sofreu alterações, não é melhor nem pior; é o que é nos contextos sociais que estamos a viver”, afirma.

“São José é um santo que arrasta consigo uma imensidade de questões que são pertinentes, apelantes e acutilantes para o nosso mundo e para as nossas sociedades que estão a viver momentos duros e graves com estas ameaças dos holofotes populistas que vêm desfocar a realidade essencial que é a pessoa na sua dignidade”, conclui o sacerdote.

A entrevista ao padre Duarte Melo pode ser ouvida aqui no Sítio Igreja Açores.

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