O Estreito da Ucrânia e o Sábado de Ramos

Por Francisco Maduro Dias

O território a que, hoje em dia, chamamos Ucrânia, não é nem estreito, nem pequeno. No entanto configura, do ponto de vista estratégico, táctico, cultural, antropológico, um estreito.

Mais acima são os gelos quase eternos e o Báltico, mais abaixo é o Mar Negro e o Mediterrâneo. Só pelo meio, ainda por cima quase apenas feito de planícies e escancarado, se pode passar.

Por isso, se alguém, com a sua tribo, as suas gentes e rebanhos, os seus exércitos, as suas necessidades de território para cultivar ou espaços para comerciar, decidisse seguir adiante, seguia por ali. E foi isso que aconteceu, numa mistura de direcções, de retiradas e de avanços, que quase enchem por completo os rumos da bússola.

Foi comércio de norte para sul e de sul para norte, foram as planícies de cereais e de farta erva, os minérios, as religiões e as culturas. As filosofias de vida, costumes e modelos de ser e estar. Sempre de cima para baixo, de baixo para cima, de leste para oeste e de oeste para leste.

Vale a pena estudar e rever, revisitar e pensar sobre o enorme cabaz de acontecimentos e de riquezas que por ali passaram e por lá aconteceram, e não me refiro apenas a eventos anteriores ou contemporâneos do império romano ou da idade média.

Tenho, pendurada na parede, uma gravura linda, que ilustra a carga da Brigada Ligeira e, ainda ontem, revi um episódio policial onde, no meio do diálogo, alguém falava sobre um companheiro de armas “que esteve na Crimeia, comigo”. Coisas do Século XIX, antes do resto, mais moderno.

Tudo isso pode e deve ser completado com São Cirilo e o alfabeto cirílico, o cristianismo ortodoxo ou a expansão do islão, cruzados com as hordas da Mongólia.

Trouxe isto, aqui, porque, em início de Semana Santa, me lembrei de Pilatos e da entrada de Jesus, em cima de um jumentinho, ao som de cânticos e com gente a acenar ramos e cruzei com as nossas presentes atitudes colectivas e individuais.

Fixemo-nos na volatilidade das multidões, no que significa o lavar das mãos, que fazemos tantas vezes, e, ainda, no que, afinal, está em causa neste momento, naquele território, por onde tantas coisas desaguaram na Europa ou na Ásia, no Báltico ou no Mar Negro, dependendo, apenas, do rumo da bússola do momento.

Um bocadinho de cada coisa, de quase tudo o que existe ou perpassa, em torno do planeta, está lá representado e actuante, neste momento. Da direita à esquerda políticas, das atitudes dos artistas às dos militares, da força de ânimo de uns aos ombros descaídos e derrotados de alguns outros, dos testemunhos de milénios de culturas cruzadas que ali se misturam, convivem, contestam ou aceitam.

É a nossa essência e alma, de seres humanos, que está em discussão, nesta Quaresma e Páscoa, na Ucrânia. Lavar as mãos não é hipótese, deixar crucificar não é opção.

A qualidade da Luz futura depende de sabermos defender o que entendemos como correcto, mas tendo a Paz como objectivo, num caminho povoado de Misericórdia.

Nunca foi fácil e agora não será, mas só por aí.

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