O inverno russo

Por Carmo Rodeia

“Janeiro fora, cresce o dia uma hora”, reza o ditado popular. Estamos a meio de março, hoje começa a primavera e os dias ficam mais longos. Nos próximos  93 dias teremos tantas horas de luz quantas de escuridão, embora por regra, esta seja a estação da fecundidade, do renascimento e da esperança que para nós cristãos tem um sabor especial com a Páscoa.

Mas os ventos que sopram fazem-nos lembrar outros invernos, no tempo em que havia Guerra Fria, em que tudo se calhar até era mais fácil mas igualmente maniqueísta : de um lado estavam os bons e do outro os maus, oscilando sempre o gosto entre os líderes dos dois grandes blocos- o americano e o russo. E nós sabíamos exatamente de que lado estavam os bons. Se calhar era tudo mais fácil, porque ou se era pela democracia ou pelo comunismo ditatorial, onde não havia liberdade de opinião e muito menos de expressão.

Mas se calhar era tudo mesmo mais fácil, pelo menos de entender. Hoje a democracia nega-se a ela própria, elegendo cada vez gente menos capaz  e com tiques de autoritarismo e os totalitarismos envergam a camisola da democracia e proclamam aos sete ventos que agora é que vem o desenvolvimento e o progresso.

Desse tempo recordo-me particularmente de assistir aos jogos olímpicos e contabilizar as medalhas que os norte americanos ganhavam em comparação com os russos, esperando sempre que “os nossos”, os bons, fossem sempre os primeiros. Mesmo depois do fim da guerra fria, com as sucessivas guerras do Golfo, nas duas versões, na Somália ou no Mali, ou até mesmo na Líbia, sabíamos qual era o nosso aliado e por quem torcíamos sempre como se fosse um campeonato pela vitória dos direitos humanos e da liberdade,  que no Ocidente tanto prezamos.

Hoje já não é assim. Já não pode ser assim. E a vitória de Putin, no passado domingo, coloca isso bem evidente.

O regime foi a votos e de forma perturbante: existiram vários candidatos, todos esmagados por Putin, que conseguiu a simpatia da esmagadora maioria dos Russos, transformando-se numa espécie de Czar do século XXI. E como frisou no discurso de vitória garantida que está a defesa e a segurança do país, é boa altura para melhorar as condições de vida dos seus concidadãos, para fazer com que a Rússia não seja temida, mas respeitada. Após 18 anos no poder, eleito para um quarto mandato, Vladimir Putin promete concentrar-se nos problemas internos da Rússia. Será desta vez que o país vai dar o salto por ele prometido? E para onde?

Olhando para a história recente da Rússia e socorrendo-me de William Faulkner “The past is never dead; it´s not even past”, isto é, os russos estão presos ao passado como fósseis. A única vez que experimentaram um primeiro indicio de democracia, no tempo de Gorbatchov, não gostaram. Ele e Ieltsin tentaram transformar uma economia de estado numa economia de mercado. Tentaram substituir um modelo ideológico por outro e a verdade é que não deu certo.

A Rússia ainda não conseguiu ultrapassar a vivência de um regime feudal, qualquer que seja o senhor, desde que seja O Senhor, chame-se Alexandre, Nicolau, Lenine, Estaline ou Putin.

Quando Moisés tentou libertar o seu povo e este se viu forçado a lutar por um prato de comida também não foi o Céu.

Estes dois exemplos mostram bem como nem todos os valores têm o mesmo peso: entre a liberdade e a segurança a história está cheia de exemplos de quem prefere a segurança, esquecendo que a fé convida-nos à liberdade. Se não for assim, para que serve a Páscoa?

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