O verão que já não é verão

Por Carmo Rodeia

Os meses de verão são o que são. O que não nos impede de trazer à memória do coração o que eram ou que foram. Não se trata de nostalgia ou de um desejo de regresso ao passado. Trata-se, sim, de fazer viva a memória de outros verões, que também foram o que foram e já não voltarão a ser.

O verão era sempre de chegadas e partidas, que na bagagem traziam memórias e recordações vivas, contadas e recontadas madrugada fora, alumiadas por uma bebida mais espirituosa, enxugada pelos petiscos da casa que, modéstia à parte, eram sempre apreciados.

Entre julho e agosto era um corrupio de festas. Primeiro porque os miúdos eram miúdos. Depois porque foram crescendo e, em vez de irem para casa dos amigos, eram os amigos que vinham para nossa casa. A proximidade à praia fazia com que de três passássemos rapidamente a seis ou a nove. Era raro o dia em que isso não acontecia. Atrás dos filhos vinham os pais e a casa estava sempre cheia. Somavam-se as datas de festa. Basta para isso lembrar que havia, e há, nestes dois meses alguns aniversários importantes, e outros que foram acrescentados, e eu gosto- gostávamos todos- de celebrar aniversários. Pelo menos isso! Não por qualquer capricho ou escravidão em função de datas mas porque é relevante celebrar o que elas significam. Afinal também eram pretexto para ter casa cheia como todos gostávamos. Sim gostávamos! A vida foi correndo e tomando outros rumos e desse tempo resta a lembrança, até porque já passaram uns bons anos, tantos que hoje já se consegue falar do assunto assim em jeito de crónica, numa espécie de abandono sem pedido de socorro, e bem diferente de uma confissão de rendição ao passado. Fica-nos a imagem que, de quando em vez, vem à memória, sem que isso signifique desejar refazer a história ou recomeça-la. Saudades, só mesmo do futuro como cantavam os Trovante.

Este domingo começaria o corrupio. O primeiro aniversário de uma série de muitos até ao final de agosto. Por vezes, até sentíamos que a barriga era pequena para tanta fartura e o coração quase que sufocava para conseguir abraçar todas as emoções, umas melhores que outras, é certo, porque nem todas as festas eram iguais ou preparadas com o mesmo empenho. Mas eram todas motivo de reunião, de família e de amigos.

Lembro-me de ter preparado uma à distância de 1600 km sem que a aniversariante soubesse, ou sequer desconfiasse, reunindo todos aqueles que sempre estiveram presentes na vida da minha mãe e que ainda estavam vivos. Nesse dia fez 70 anos.

Neste domingo não é ela que faz anos mas o neto, que lhe tomou a dianteira na inauguração das festas de verão. A família não estará toda a reunida, porque uns já se foram e outros estão ausentes. A mesa terá muitos lugares vazios, como naquelas mesas de Natal em que, de repente, ficamos desconfortavelmente à larga. Olhamos para cada lugar e contamos os que faltam, que já são mais do que os que estão. É a vida, e a vida é o que é…

À meia noite em ponto de hoje, zero horas de amanhã, que é domingo dia 12 de julho, o telefone soará e as modernas tecnologias permitirão um abraço virtual, com direito a fotografia. Parabéns e muitas felicidades, todas as que a vida pode conter. Com saúde!,  acrescentaremos este ano por causa da pandemia que nos baralhou a vida ainda mais, e nos deixará à míngua nesta estação que era de encontros.

O bolo de aniversário mantém-se mas já não será feito em casa. O jantar passa para o almoço porque não há vontade para noitadas à luz de conversas prolongadas e invariavelmente desconcertantes, como todas as conversas entre pessoas que se querem bem. É a idade, é a falta de paciência, é o desconsolo, é a mudança de amigos… É o que quisermos que seja, nem que seja para nos justificarmos do que hoje só pode ser diferente.

“O verão é feito de coisas/que não precisam de nome/um passeio de automóvel pela costa/o tempo incalculável de uma presença/o sofrimento que nos faz contar/um por um os peixes do tanque/e abandoná-los depressa/às suas voltas escuras”. Também as voltas já não são o que eram, nem escuras nem claras, nem as pessoas estão como estavam. É a vida, e a vida é o que nós queremos e fazemos para que ela seja o que é.

Parabéns, filho! Eu cá estou contigo. Comeremos o bolo depois. Sim, e será aquele à maneira da nossa Ana!

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