Padre Tolentino Mendonça diz que “é preciso reabilitar a palavra”

Vice Reitor da Universidade Católica encerrou as comemorações do centenário do jornal A Crença

O Vice reitor da Universidade Católica Portuguesa, que encerrou este sábado as comemorações do centésimo aniversário do jornal vilfranquense de inspiração cristã A Crença, disse que é preciso dar “intensidade à palavra” e “ reabilitar o seu valor humano”.

“Na comunicação social dominante contam as ideias e o ruído”; por isso é importante, que a comunicação social de inspiração cristã “nos ajude a redescobrir o valor do silêncio, do nosso interior”, disse o Pe Tolentino Mendonça.

O sacerdote foi o conferencista convidado para a sessão solene que encerrou um ano de comemorações do centenário do jornal propriedade da Fábrica da Igreja de São Miguel Arcanjo, um dos dois títulos semanários ligados à igreja que ainda se publicam na diocese de Angra.

Numa comunicação assente em antíteses, construídas a partir “de coisas óbvias”, o sacerdote elencou 10 mandamentos que devem nortear a imprensa da inspiração cristã em contraponto com a generalista.

“Porque existe um jornal?” começou por questionar o vice reitor da Católica lembrando que há uma utilidade associada ao jornal, que “é uma luz de presença no território” mas, por outro lado, “é bom que o jornal não despreze o inútil”, aquilo que “não se esgota na voragem do tempo”, como de resto vemos “frequentemente no Evangelho”.

Por outro lado, destacou a importância da lentidão “como marca identitária” da imprensa de inspiração cristã.

“É fundamental que um jornal seja um lugar onde a lentidão seja possível, obrigando-nos a contrariar o ritmo “alucinante” das nossas sociedades” disse o sacerdote destacando que “só a lentidão permite uma leitura pessoal dos acontecimentos e do mundo” para além da “massificação”.

Entre os mandamentos está também o desejo, e os órgãos de comunicação social dominantes “cumprem essa função de saciar o desejo”; no entanto tão importante como saciá-lo “é criá-lo”, disse o Pe Tolentino Mendonça.

Fazendo uma analogia com a cozinha onde tão importante como saciar a fome é criar o desejo de comer, o sacerdote apela para a necessidade do jornal não “fornecer a comida toda feita e deixar espaço para a intervenção e interpretação pessoais”.

O ex presidente do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura alertou, ainda, para a necessidade dos jornais “não se deixarem consumir pela avalanche de acontecimentos” e despertarem no leitor “um efeito de retardador” ou seja “retardar a escuta”, pois “é a única forma de acolher o outro”.

O Pe Tolentino Mendonça falou, também da importância de um jornal no combate “à iliteracia cultural”, dando-nos conhecimento mas também “educando-nos os sentidos”.

“Apesar de vivermos numa sociedade que estimula os nossos sentidos, a verdade é que somos cada vez mais insensíveis e não sabemos usar os nossos sentidos”, afirmou.

Entre os mandamentos identificados pelo sacerdote está também a necessidade de se evitar a massificação, na medida em que um jornal deve ser “uma escola de vida para cada leitor”, sobretudo porque hoje vivemos numa sociedade “sem âncoras”. Além disso, mais do que apresentar acontecimentos hoje os jornais precisam de dar pistas “para os interpretar”.

E aqui, o sacerdote centrou-se particularmente nos jornais de inspiração cristã para destacar que estes jornais, em particular, “servem para noticiar o presente da igreja”. Nesse sentido, acrescenta, o jornal “deve servir como testemunho para uma verdadeira evangelização”.

O sacerdote, que é escritor e poeta, distinguido com vários prémios, o último dos quais atribuído este ano em Itália- o prémio literário ‘Res Magnae 2015’, distinção atribuída no campo da ensaística, pela sua obra “A Mística do Instante”- sublinhou a importância deste centenário, quando a maioria dos títulos apenas sobrevive 40 ou 50 anos e desafiou A Crença “a olhar o futuro já hoje”.

Nesta sessão solene participaram os dois prelados diocesanos e ambos referiram a necessidade de fazer A Crença crescer.

D.António de Sousa Braga frisou que apesar dos “altos e baixos” que o jornal tem atravessado, por falta de recursos humanos e financeiros, “deve encarar o futuro com otimismo” procurando aumentar o número de assinantes para que o projeto renasça com mais força. De resto apelou a que a Crença deixasse de ser um jornal quase paroquial para se tornar um jornal de ilha “e quem sabe dos Açores”.

Já D. João Lavrador, que começou por identificar o contexto em que surgiram os meios de comunicação social da igreja, numa resposta á progressiva secularização da sociedade e da informação, e depois elencou os desafios que hoje se colocam a esta imprensa.

Entre eles está a sua “sustentabilidade” que só é garantida pela qualidade dos seus conteúdos e pelo rigor dos seus profissionais.

“Esta comunicação social de proximidade é muito valiosa, mas tem de entrar nos critérios da vida e ajudar a lê-la à luz da fé e de uma chave cristã” disse ainda o bispo coadjutor de Angra que salientou, ainda, a importância da renovação.

“É importante que a comunicação social de inspiração cristã esteja atenta aos sinais do mundo mas só há renovação se houver transformação”.

O Diretor do jornal A Crença, Pe António Cassiano, percorreu um pouco da história deste semanário que “continua a ser um jornal da Igreja e de Igreja, mas de uma igreja de comunidades, animada pelo Espírito Evangélico, bem interpretado, para o nosso tempo, pelo Concilio Vaticano II”.

“Por isso refletirá uma igreja não de círculo fechado mas em diálogo com o mundo real, sobretudo o pequeno mundo das nossas freguesias, do nosso concelho, da nossa ilha e do nosso arquipélago”, disse o sacerdote.

“Queremos que seja um jornal de toda a gente, de quem nela aprenda alguma coisa mas também o aproveite para fazer ouvir a sua voz”, procurando “auscultar sobretudo os que não têm voz ou constituem uma multidão silenciosa”.

O Diretor da Crença deixou ainda o convite ao novo bispo para que escreva com regularidade na Crença.

AS comemorações encerram este domingo com uma Eucaristia de ação de Graças presidida pelo Bispo de Sangra e concelebrada pelos padres José Tolentino Mendonça, José Borges e António Cassiano.

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