Pandemia do COVID-19  adia Festas do Espirito Santo

Impérios deste ano das ouvidorias da Praia e de Ponta Delgada estão a ser cancelados

Nove paróquias da ouvidoria da Praia da Vitória, na ilha Terceira, acabam de cancelar a edição deste ano das Festas do Divino Espírito Santo devido à Pandemia do Covid-19, garantiu ao Igreja Açores o ouvidor, padre Emanuel Valadão Vaz.

“Esta decisão de ter que adiar e cancelar tudo o que estava previsto para este ano e que já estava preparado é difícil mas é uma questão de bom senso que a maioria dos impérios da zona do Ramo Grande tomou” adiantou o sacerdote que não poupa no elogio às comunidades, nomeadamente aos mordomos e imperadores que tomaram esta decisão “difícil mas muito corajosa”.

“Trata-se de uma decisão assente numa leitura da fé: a Igreja pede-nos que façamos uma leitura permanente dos sinais do tempo para estarmos à altura das decisões que cada momento impõe. Por isso, não posso deixar de afirmar que esta decisão , que não foi fácil, é muito corajosa e expressa bem a fé deste povo”, sublinha em declarações ao Igreja Açores.

Entre as Paróquias que já cancelaram as suas festas encontram-se as de Porto Martins, Fonte Bastardo, Agualva, Fontinhas, Vila Nova, Santa Rita, Santa Lúzia, São Brás e Casa da Ribeira, mas as “outras irão certamente no mesmo sentido”, diz ainda o ouvidor.

A decisão de cancelar os Bodos deste ano foi “difícil”, desde logo, porque esta é uma das festas mais importantes da ilha Terceira, sobretudo na zona do Ramo Grande, onde a tradição “é muito forte”.

Segundo as orientações dos vários Impérios o esquema das sortes tiradas para este ano manter-se-á em 2021 o que faz com que mordomos, imperadores e coletividades mantenham os mesmos protagonistas.

Também o ouvidor de Ponta Delgada enviou esta segunda feira uma orientação aos párocos e Irmandades do Divino Espírito Santo.

“Dado o momento que atravessamos com a Pandemia, deve-se cancelar em toda a Ouvidoria as Festas do Espírito Santo(Impérios e Coroações)”, escreveu Monsenhor José Constância, numa nota a que o Igreja Açores teve acesso.

O culto ao Divino Espírito Santo é uma das marcas da religiosidade popular açoriana. Desde o primeiro domingo de Páscoa até à Trindade as ilhas vivem intensamente o Espírito Santo.

Nesta altura, em cada lugar por onde se passa respira-se um ambiente de festa – as ruas são vestidas de lâmpadas e bandeirinhas, as comissões e os seus ajudantes preparam as mesas para o jantar e, ao cair da noite, as pessoas caminham rumo ao império.

A peculiaridade principal deste culto no arquipélago é ser popular e desenvolver-se sob a forma de império, com uma forte carga profética e política, sem qualquer pretensão de imitação de papéis ou destituição de poderes.

À volta dos Impérios desenvolvem-se durante vários dias as festividades do Espírito Santo, imbuídas de um ideal caritativo e compostas por um conjunto de cerimónias religiosas e profanas: a “coroação” do Imperador Menino, o desfile de cortejos e o bodo de pão e de carne.

Durante cada semana das festividades veneram-se as insígnias do Divino na casa do Imperador e reza-se o terço à noite perante a coroa e a bandeira. Na sexta-feira, os bois são enfeitados e realiza-se a “procissão do vitelo”. Posteriormente, sacrificam-se os animais necessários para o bodo que o Imperador oferecerá no domingo aos convidados, retalha-se a carne para a sopa, o cozido e a alcatra do jantar e para as pensões a distribuir pelos pobres da freguesia. No sábado faz-se a distribuição de esmolas, compostas de carne, pão e vinho, benzidas pelo sacerdote.

No domingo de manhã realiza-se a primeira procissão, encabeçada pela bandeira do Espírito Santo. Na cerimónia da “coroação”, dentro da igreja,  o padre toma o cetro, dá-o a beijar a quem coroa e entrega-lho, e depois faz o mesmo com a coroa, colocando-a sobre a sua cabeça; asperge o Imperador, incensa-o e entoa-se o “Veni Creator Espiritus”. Depois da coroação a Coroa e a Bandeira vão em procissão até ao Império, de onde saem à noite para outra casa.

É também no domingo que se realiza o bodo ou a “função” para o qual todos são convidados, ricos e pobres, habitantes ou forasteiros. A ementa da “função” é composta pela sopa do Espírito Santo, alcatra, pão, armazenados nos Impérios ou nas despensas, pela massa sovada ou pelas rosquilhas (Pico) e vinho. Os irmãos escolhidos para realizar o bodo designam-se de Mordomos.

As festas do Espírito Santo começam no domingo imediatamente a seguir à Páscoa tendo como ponto alto nas ilhas referidas o domingo de Pentecostes e o da Trindade.

Na ilha Terceira, os impérios prosseguem durante o verão, até ao Império de São Carlos, em setembro.

Na ilha Terceira, o culto do Espírito Santo está documentado desde 1492, data em que já se fazia o Império e se distribuía o bodo, no dia de Pentecostes, à porta de uma capela pertencente ao hospital do Espírito Santo.

A festa constava da missa do Espírito Santo, “coroação” e bodo e, se algum irmão da confraria “tomasse o império” sem ter meios  para o desenvolver seria ajudado pelos restantes membros da irmandade.

Quando se instituíram as Santas Casas da Misericórdia na ilha Terceira, a de Angra, em 1495, e depois a da Praia, em 1498, instalam-se nos templos do Espírito Santo, acabando por se tornar as responsáveis pela organização dos bodos no dia de Pentecostes, facto que não afetou a criação de irmandades em todas as freguesias destes dois concelhos.

As festas do Espírito Santo nos Açores possuem uma estrutura tradicional comum mas apresentam bastantes variantes entre as várias ilhas do Arquipélago e, dentro da mesma ilha, entre os vários Impérios.

O ciclo das festividades é, no entanto, comum. Nos domingos de Pentecostes e da Trindade vivem-se os bodos e no final do segundo bodo tiram-se “as sortes” ou “pelouros” para conhecer os irmãos que vão ficar com as domingas, sete,  do ano seguinte. Quem tirar a primeira “dominga” ficará com o Espírito Santo todo o ano em Casa, ou seja, a Bandeira e a Coroa ficarão na casa desse irmão, em lugar de destaque, durante um ano.

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