Papa regressou a Lesbos para denunciar “crise humana”, apelando a compromisso de toda a Europa 

“É um problema mundial, uma crise humana que diz respeito a todos”, disse Francisco, depois de ter cumprimentado dezenas de pessoas, no local, muitas das quais visivelmente emocionadas.

A intervenção sublinhou que, como mostrou a pandemia, “as grandes questões devem ser enfrentadas em conjunto, porque, no mundo atual, são inadequadas as soluções fragmentadas”.

O Papa, que apesar das dificuldades em caminhar esteve longos minutos junto de várias famílias, à sua chegada, evocou as imagens de crianças mortas nas costas do Mediterrâneo.

“Não fujamos apressadamente das cruas imagens dos seus pequenos corpos estendidos, inertes, nas praias. O Mediterrâneo, que uniu durante milénios povos diferentes e terras distantes, está a tornar-se um cemitério frio sem lápides”, apelou.

Não permitamos que este mar das memórias se transforme no mar do esquecimento. Irmãos e irmãs, eu peço-vos: paremos este naufrágio de civilização!”

A chegada ao aeroporto de Mitilene, capital da Ilha de Lesbos, aconteceu pelas 10h02 locais (menos duas em Lisboa), com a presença da presidente da República da Grécia, Katerina Sakellaropoulou, e do bispo diocesano, D. Josif Printezis.

Francisco alertou para a “pressão” sentida pela Grécia, para resolver a crise migratória, enquanto na Europa “há quem persista em tratar o problema como um assunto que não lhe diz respeito”, algo que considerou “trágico”.

“É triste ouvir propor, como solução, o uso de fundos comuns para construir muros, arames farpados”, lamentou o Papa, realçando que, apesar das crises económica e pandémica, “não é erguendo barreiras que se resolvem os problemas e melhora a convivência”.

A visita começou junto ao Centro de Acolhimento e Identificação, com a presença cerca de 200 pessoas.

“Estou aqui para contemplar os vossos rostos, para ver-vos olhos nos olhos. Olhos cheios de medo e ansiedade, olhos que viram violência e pobreza, olhos sulcados por demasiadas lágrimas”, disse Francisco.

Após ter entrado no campo de refugiados pelo portão leste, o Papa fez um breve percurso de automóvel até à tenda onde decorreu a cerimónia de oração, com migrantes e membros da comunidade católica.

“Neste domingo, peço a Deus que nos acorde da indiferença por quem sofre, nos sacuda do individualismo que exclui, desperte os corações surdos às necessidades dos outros”, referiu o pontífice.

Francisco convidou todas as pessoas a superar a “paralisia do medo, a indiferença que mata”, deixando votos de que as migrações recebam a mesma atenção que o combate à pandemia de Covid-19 e às alterações climáticas.

“Há pessoas, vidas humanas em jogo. Está em jogo o futuro de todos, que, só poderá ser sereno, se for integrador”, insistiu, apontando o dedo aos “nacionalismos” que levam a “consequências desastrosas”.

Irmãs, irmãos, os vossos rostos, os vossos olhos pedem-nos para não vos virarmos as costas, não renegarmos a humanidade que nos irmana, para assumirmos as vossas histórias e não esquecermos os vossos dramas”.

A 16 de abril de 2016, Francisco esteve no campo de refugiados de Mória – consumido pelas chamas em 2020 –  junto de cerca de 2500 pessoas, para manifestar-lhes o seu apoio, com o patriarca Bartolomeu, patriarca de Constantinopla (Igreja Ortodoxa) e Jerónimo II, arcebispo ortodoxo de Atenas.

O Papa considera que, cinco anos depois, “pouca coisa mudou na questão migratória”, apesar do esforço de todos os que se empenharam no acolhimento e na integração e da aposta em “ financiar e construir estruturas de acolhimento dignas”.

“Quantas condições indignas do homem! Quantos pontos de triagem onde migrantes e refugiados vivem em condições que estão no limite da suportação, sem se vislumbrar no horizonte qualquer solução”, exemplificou.

Francisco mostrou-se contrário aos discursos que procuram contrapor segurança e solidariedade, local e universal, tradição e abertura.

“É fácil arrastar a opinião pública incutindo o medo do outro; mas por que motivo não se fala, com o mesmo brio, da exploração dos pobres, das guerras esquecidas e muitas vezes lautamente financiadas, dos acordos económicos feitos na pele do povo, das manobras ocultas para contrabandar armas e fazer proliferar o seu comércio?”, questionou.

O Papa quis agradecer aos “irmãos e irmãs gregos” pelo acolhimento dos migrantes e refugiados, admitindo que este esforço não é fácil.

Francisco conversou depois com alguns refugiados e visitou as instalações onde se encontram alojados, de forma reservada.

A passagem pela ilha, que dura cerca de duas horas, conclui-se de forma privada no aeroporto de Mitilene, onde não estão previstas cerimónias oficiais.

Lesbos fica a menos de 20 quilómetros da Turquia.

O Papa regressa a Atenas, para concluir esta segunda-feira a 35ª viagem internacional do pontificado, iniciada no Chipre, na última quinta-feira.

(Com Ecclesia)

 

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