Papa rejeita fé pré-programada que ignora sofrimento alheio

Francisco preside a Missa conclusiva do Sínodo dos Bispos e deixa mensagem centrada na misericórdia de Deus

O Papa alertou hoje no Vaticano para a tentação de uma “fé pré-programada” que ignora o sofrimento alheio em função da sua própria agenda.

“Uma fé que não sabe radicar-se na vida das pessoas, permanece árida e, em vez de oásis, cria outros desertos”, disse, na homilia da Missa conclusiva do Sínodo dos Bispos sobre a família, na Basílica de São Pedro.

Francisco partiu do relato da cura de um cego, por Jesus, para recordar que perante o sofrimento de Bartimeu “nenhum dos discípulos para”, mas “continuam a caminhar, avançam como se nada fosse”.

“Se Bartimeu é cego, eles são surdos: o seu problema não é problema deles. Esse pode ser o nosso risco: face aos problemas contínuos, o melhor é seguir em frente, sem deixar-se perturbar”, advertiu.

Neste contexto, a homilia falou numa “fé pré-programada”, em que cada um já tem a sua agenda própria, “ onde tudo está previsto”.

“Sabemos para onde ir e quanto tempo gastar; todos devem respeitar os nossos ritmos e qualquer inconveniente perturba-nos. Corremos o risco de nos tornarmos como «muitos» do Evangelho que perdem a paciência e repreendem Bartimeu”, precisou.

Em vez de rejeitar quem incomoda, Jesus quer “incluir, sobretudo quem está relegado para a margem e grita por Ele”.

O Papa aludiu depois à falta de “abertura do coração” e ao fim de aspetos da vida espiritual como “a admiração, a gratidão e o entusiasmo”, longe do “coração” de Deus, que “se inclina para quem está ferido”.

“Esta é a tentação duma «espiritualidade da miragem»: podemos caminhar através dos desertos da humanidade não vendo aquilo que realmente existe, mas o que nós gostaríamos de ver”, prosseguiu.

Perante os “irmãos sinodais”, cardeais, patriarcas, arcebispos, bispos e padres que participaram na 14ª assembleia geral do Sínodo, o Papa elogiou o caminho que todos fizeram “juntos”.

“Sem nos deixarmos jamais ofuscar pelo pessimismo e pelo pecado, procuremos e vejamos a glória de Deus que resplandece no homem vivo”, apelou.

Francisco defendeu que, tal como na cura do cego, os cristãos devem ir ter com quem sofre para dizer-lhes “coragem”, “tem confiança, anima-te” e “levanta-te”.

“Os seus limitam-se a repetir as palavras encorajadoras e libertadoras de Jesus, conduzindo diretamente a Ele sem fazer sermões. A isto são chamados os discípulos de Jesus, também hoje, especialmente hoje: pôr o homem em contacto com a Misericórdia compassiva que salva”, observou.

A menos de dois meses do início do Jubileu da Misericórdia, um Ano Santo extraordinária convocado pelo Papa, Francisco disse que as situações de “miséria e de conflitos” são para Deus “ocasiões de misericórdia”.

“Hoje é tempo de misericórdia”, sustentou.

Os trabalhos sinodais terminaram ontem. O Cardeal-patriarca diz-se “ muito satisfeito” com trabalhos que valorizaram o acompanhamento das famílias

“Temos de dar muito mais importância às famílias, à preparação para o matrimónio, ao acompanhamento das famílias cristãs, mesmo aquelas que vivem em rutura, para vermos o que podemos consertar com a ajuda de todos”, disse, após a votação do relatório final, com 94 pontos aprovados na sua totalidade por maioria de dois terços.

Segundo o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), nas situações em que não seja possível “recuperar” a relação anterior, a Igreja deve continuar a considerar as pessoas envolvidas como “irmãos e irmãs, batizados que têm o seu lugar na comunidade cristã”.

O relatório final apela a um “caminho de discernimento”, que o cardeal-patriarca vê como a confirmação da necessidade do “acompanhamento caso a caso”, citando o que o Papa São João Paulo II “já disse há 30 anos”.

“Temos de ter muita atenção, porque os casos não são todos iguais: às vezes uma expressão forte pode encobrir situações muito diversas. É o que estamos a fazer e o que vamos continuar a fazer”, apontou.

O presidente da CEP, um dois delegados do episcopado português neste Sínodo, juntamente com D. Antonino Dias (bispo de Portalegre-Castelo Branco), afirmou que os trabalhos desta assembleia decorreram com “serenidade” e “naturalidade”, depois de se ter vivido alguma “perplexidade” na reunião de 2014, mas rejeitou a ideia de “algum burburinho” que se procurou criar.

Depois de duas assembleias sinodais, antecedidas por inquéritos às comunidades católicas, “o caminho não acabou” e compete agora ao Papa “pegar nas reflexões e nos resultados”.

O texto que vai ser agora entregue ao Papa refere que é missão dos padres “acompanhar as pessoas no caminho do discernimento segundo o ensinamento da Igreja e as orientações do bispo”.

Na conclusão de três semanas de trabalho sobre a família, 178 dos 265 participantes que votaram este sábado (mais um voto do que os necessários para a maioria de dois terços), aprovaram o número 85, em que se apela a um “exame de consciência” das pessoas em causa sobre a forma como trataram os seus filhos ou como viveram a “crise conjugal”.

O documento questiona ainda se houve “tentativas de reconciliação”, qual a situação do “cônjuge abandonado” e quais as consequências da nova relação “sobre o resto da família e a comunidade dos fiéis”.

“Uma reflexão sincera pode reforçar a misericórdia de Deus, que não é negada a ninguém”.

Este relatório não aborda diretamente a possibilidade de acesso à Comunhão pelos divorciados recasados, que é negada pela Igreja Católica.

Os participantes apresentam critérios de reflexão, recordando que há “condicionamentos” que podem anular ou diminuir a responsabilidade de uma ação, pelo que o juízo sobre uma situação objetiva “não deve levar a um juízo sobre a imputabilidade subjetiva”.

“Por isso, mesmo apoiando uma norma geral, é necessário reconhecer que a responsabilidade em relação a determinadas ações ou decisões não é a mesma em todos os casos”, pode ler-se.

O relatório final aponta para um “discernimento pastoral” que tem de acompanhar cada situação, pelo que “as consequências dos atos realizados não são necessariamente as mesmas em todos os casos”.

O texto cita o ensinamento de São João Paulo II na ‘Familiaris Consortio’: “Saibam os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a discernir bem as situações. Há, na realidade, diferença entre aqueles que sinceramente se esforçaram por salvar o primeiro matrimónio e foram injustamente abandonados e aqueles que por sua grave culpa destruíram um matrimónio canonicamente válido”.

Também o número 84 do relatório final, aprovado com 187 votos (o segundo menor número de aprovações), os participantes no Sínodo  afirmam que os divorciados recasados têm de estar “mais integrados nas comunidades cristãs”.

“A sua participação pode exprimir-se em diversos serviços eclesiais”, aponta o texto.

Já o número 86 (190 votos a favor) refere-se a um “percurso de acompanhamento e discernimento” junto de um sacerdote, no chamado “foro interno” (privado), sobre aquilo que coloca “obstáculos a uma mais plena participação na vida da Igreja e sobre os passos que a podem favorecer”.

Por outro lado, o relatório final do Sínodo propõe uma aposta mais séria na ação da Igreja Católica a respeito da preparação para o Matrimónio e dos jovens casais.

“O Matrimónio cristão não se pode reduzir a uma tradição cultural ou a uma simples convenção jurídica: é um verdadeiro chamamento de Deus que exige discernimento atento, oração constante e amadurecimento adequado”, assinala o texto.

Os participantes na assembleia sinodal propõem a criação de “percursos formativos” que acompanhem os jovens católicos, tanto numa preparação “remota” para o casamento, que começa em cada família, como na catequese “pré-matrimonial” e a preparação “próxima” para a celebração do sacramento.

A este respeito, o documento fala numa sexualidade que está “desvinculada de um projeto de amor verdadeiro”, pedindo que estes percursos de educação dos jovens e dos noivos ajudem a “descobrir a beleza da sexualidade no amor”.

“O itinerário formativo deveria assumir a fisionomia de um caminho orientado para o discernimento vocacional pessoal e de casal”, pode ler-se.

O relatório final apela à responsabilização dos casais mais velhos, capazes de “acompanhar os noivos antes do casamento e nos primeiros anos da vida matrimonial, valorizando assim a dimensão ministerial conjugal”.

O relatório conclui com um pedido ao Papa para que avalie a oportunidade de um “documento sobre a família”, e denuncia as políticas e os sistemas económicos contrários às famílias, em particular as que vivem em situações de pobreza e exclusão.

“A hegemonia crescente da lógica do mercado, que mortifica os espaços e os tempos de uma verdadeira vida familiar, concorre para agravar discriminações, pobrezas, exclusões e violência”, alerta o documento conclusivo das três semanas de trabalho que reuniram mais de 400 pessoas no Vaticano.

O documento apela, por outro lado, aos católicos comprometidos na política que tenham como prioridade “a defesa da vida e da família”, a liberdade de educação e religiosa, bem como a “harmonização entre o tempo para o trabalho e a família”.

Os bispos alertam para as consequências do inverno demográfico, fruto de uma “mentalidade contracetiva e abortista” e promovido por “políticas mundiais de ‘saúde reprodutiva’, que ameaça os laços entre gerações”.

O texto refere-se aos problemas ligados à solidão, à precariedade e às formas de “exclusão social” provocadas pelo atual sistema económico, em particular no que se refere ao desemprego juvenil.

Os efeitos negativos de uma ordem económica “injusta”, a nível global, são vistos como um fator que potencia “formas de religiosidade expostas a extremismos”.

O documento conclusivo alude, também, às migrações forçadas, às crianças de rua e às vítimas da guerra, das “violentas perseguições religiosas”, em particular contra cristãos, e da pobreza.

“A qualidade afetiva e espiritual da vida familiar está gravemente ameaçada pela multiplicação dos conflitos, do empobrecimento dos recursos, pelos processos migratórios”, adverte o relatório, com 94 pontos.

Os participantes no Sínodo sobre a família fizeram 425 nas reuniões gerais que se iniciaram a 5 de outubro.

Segundo dados revelados hoje pela sala de imprensa da Santa Sé, houve 90 horas de trabalho, entre as congregações gerais e 13 os grupos linguísticos (círculos menores).

Os participantes com direito a intervir foram 335, incluindo, além de cardeais e bispos, casais, especialistas de vários países e delegados de diversas confissões cristãs.

Ao longo destas três semanas houve 19 conferências de imprensa, seguidas pelos 464 jornalistas acreditados para o acompanhamento da 14ª assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos.

A conta da sala de imprensa da Santa Sé no twitter, ‘@HolySeePress’, publicou cerca de 200 mil mensagens, as quais obtiveram 2,2 milhões de visualizações.

CR/Ecclesia/Lusa

 

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