Papa renova críticas a globalização que «condenou» pessoas à morte de fome

Francisco aborda temas ligados à família, ao papel da mulher e ao futuro da Igreja em entrevista a jornal italiano.

O Papa renovou as suas críticas à globalização económica e financeira, numa entrevista publicada hoje pelo jornal italiano ‘Corriere della Sera’, lamentando que o “dinheiro” tenha tomado o lugar central de cada pessoa.

 

“É verdade que a globalização salvou muitas pessoas da pobreza, mas condenou muitas outros a morrer de fome, porque se tornou seletiva com este sistema económico”, assinala Francisco.

 

O Papa explica que a decisão de centrar as próximas assembleias do Sínodo dos Bispos nas questões da família derivou da “crise muito séria” que esta atravessa.

 

“Os jovens casam-se pouco, há muitas famílias separadas nas quais o projeto de vida comum falhou, os filhos sofrem muito: temos de dar uma resposta, mas para isso é preciso refletir muito em profundidade”, assinala.

 

Neste contexto, Francisco reafirma que o matrimónio é “entre um homem e uma mulher” e que os Estados laicos podem querer regular as outras “situações de convivência”.

 

O Papa retoma a sua reflexão sobre a necessidade de uma maior presença das mulheres nos “lugares de decisão da Igreja”, um tema que diz estar em “aprofundamento teológico”.

 

Em relação à contraceção e ao planeamento familiar, Francisco elogia a “genialidade profética” de Paulo VI, que há meio século assinou a encíclica ‘Humanae Vitae’, que diz ter funcionado como um “travão cultural”.

 

“A questão não é mudar a doutrina, mas ir em profundidade e fazer com que a pastoral tenha em conta as situações e aquilo que é possível fazer pelas pessoas”, acrescenta.

 

A entrevista revela uma troca de correspondência entre o Papa e o presidente, da China, e que os próximos destinos das viagens pontifícias serão “a Terra Santa, a Ásia e a África”.

 

Francisco diz que não tem saudades da Argentina, embora gostasse de ir visitar a sua irmã, que se encontra doente.

 

“Gostaria de vê-la, mas isso não justifica uma viagem à Argentina: ligo-lhe por telefone e isso basta. Não penso ir lá antes de 2016, porque já estive na América Latina, no Rio de Janeiro”, recorda o Papa.

 

Na entrevista concedida ao jornal italiano ‘Corriere della Sera’, publicada hoje, Francisco manifesta, ainda, o seu desacordo com o que qualifica como “interpretações ideológicas” do seu pontificado, iniciado a 13 de março de 2013.

 

“Gosto de estar com as pessoas, junto a quem sofre, ir às paróquias; não me agradam as interpretações ideológicas, uma certa mitologia do Papa Francisco, como quando se diz, por exemplo, que [o Papa] sai do Vaticano, à noite, para dar de comer aos sem-abrigo, na Avenida Ottaviano. Nunca pensei nisso”, refere, em resposta a uma questão sobre a ‘franciscomania’.

 

Francisco considera que a sua representação como “uma espécie de super-homem, uma espécie de estrela”, lhe parece “ofensiva”.

 

O primeiro pontífice sul-americano foi eleito pela revista Time como ‘personalidade do ano’ de 2013.

 

“O Papa é um homem que ri, chora, dorme descansado e tem amigos, como todos. Uma pessoa normal”, precisa Francisco.

 

Neste contexto, revela que mantém o hábito de telefonar a quem se lhe dirige, embora agora seja “mais difícil”, e dá como exemplo uma senhora de viúva, de 80 anos, que lhe escreveu quando perdeu o filho.

 

“Telefono-lhe todos os meses. Ela fica feliz, eu faço o meu papel de padre, que me agrada”, explica.

 

Francisco elogia o seu predecessor, Bento XVI, frisando que o Papa emérito “não é uma estátua num museu, é uma instituição”, que não mereceria “acabar numa casa de repouso”.

 

“Ele é discreto, humilde, não quer perturbar. Falamos disso e decidimos juntos que seria melhor que visse pessoas, que saísse e participasse na vida da Igreja”, adianta.

 

Francisco é questionado sobre a sua forma de governar a Igreja e, em particular, sobre o facto de aparentemente decidir “sozinho”.

 

“O Papa não está só no seu trabalho, porque é acompanhado e aconselhado por muitos, seria um homem só se decidisse sem ouvir ou fingindo ouvir. Há um momento, contudo, quando se trata de decidir, de assinar, no qual está só com o seu sentido de responsabilidade”, revela.

 

Admitindo que não gosta de “balanços”, Francisco adianta que este primeiro ano de pontificado começou sem “qualquer projeto de mudança da Igreja”.

 

“Não esperava esta mudança de diocese, digamos assim. Comecei a governar procurando colocar em prática o que surgiu nos debates entre cardeais nas várias congregações [pré-conclave]”, sublinha.

 

Jorge Mario Bergoglio, de 77 anos de idade, foi eleito como sucessor de Bento XVI a 13 de março do último ano, após a renúncia do agora Papa emérito.

 

Francisco é o primeiro Papa jesuíta na história da Igreja e o primeiro pontífice sul-americano.

 

Em doze meses, o Papa argentino visitou o Brasil (Rio de Janeiro e Aparecida) e realizou três viagens à Itália, incluindo uma passagem pela ilha de Lampedusa.

 

Entre os principais documentos do atual pontificado estão a encíclica ‘Lumen Fidei’ (A luz da Fé), que recolhe reflexões de Bento XVI, e a exortação apostólica ‘Evangelii Gaudium’ (A alegria do Evangelho), tendo ainda sido convocado um Sínodo sobre a Família, que vai decorrer em duas sessões: uma extraordinária em 2014 e outra ordinária, em 2015.

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