`Perdid(a)´ de AMOR

Por Carmo Rodeia

Iniciamos hoje a nossa semana mais importante. Longe das luzes e da azafama de outras épocas igualmente festivas e tão simbólicas para os católicos, como por exemplo o Natal, em que exultamos de alegria porque nasceu o Salvador, nesta semana, como de resto no tempo que a precedeu, somos convidados, uma vez mais, a centrar-nos no essencial. Na Cruz revela-se o amor de Deus, que não guarda nada para si, mas que se faz dom total para nos salvar.

Neste Domingo de Ramos, no relato da Paixão, sem esquecer os sofrimentos de Jesus e a sua angústia na agonia do monte das Oliveiras, o evangelista Lucas remete-nos sempre para a ideia de um Deus misericordioso, apesar do sofrimento, apesar das angústias, apesar das tribulações provocadas pela injustiça e pelo mal. Isso fica bem claro primeiro quando Jesus se dirige ao Pai, pedindo-lhe perdão pelo mal que lhe estão a infligir, ou quando diz ao ladrão que em breve ambos estarão junto do Pai ou finalmente quando se entrega nas mãos de Deus.

O grande desafio de olhar para a Cruz é justamente este: percebermos que há Alguém que morre de amor por nós. Por amor, veio ao nosso encontro, fez-se homem, assumiu os nossos limites, experimentou a fome, o cansaço, a injustiça, a tentação, o medo da morte, o abandono e a injúria, mas ainda assim continuou a amar.

Este é o grande significado da Cruz: uma história de amor que Deus nos revela através do seu filho e que somos convidados a imitar connosco mesmo e com os outros.

Devo dizer que sempre me confortou a ideia de acreditar, desde muito cedo, que Deus ama-me como sou, sem que com isto queira sequer insinuar que este amor incondicional me desresponsabilize de qualquer esforço.

Etty Hillesum, no diário que escreveu no campo de concentração sublinhava a propósito do pesadelo que vivia: são tempos temerosos, meu Deus. Esta noite pela primeira vez passei-a deitada no escuro de olhos abertos e a arder. E muitas imagens do sofrimento humano desfilavam perante mim. Mas torna-se-me cada vez mais claro: que tu não nos podes ajudar; mas nós é que temos de ajudar-te e ajudando-te ajudamo-nos a nós mesmos”.

Este é o grande mistério da vida que se cumpre em cada homem de forma única. A semana que agora se inicia convoca-nos para esta certeza de que a Cruz é muito mais que a morte.

O Papa Francisco, numa das suas inúmeras catequeses sobre este tempo de preparação para a festa da vida renovada, que é a Páscoa, lembra-nos que “A vida espiritual, na rotina das suas expressões, torna-se uma dose suficiente e tornamo-nos conformistas, não queremos mais. Dizemos para connosco: já fomos ao templo, já subimos a Jerusalém, já rezámos, já oferecemos o sacrifício e isso desobriga-nos dos encontros fundamentais com a fantástica e desconcertante surpresa de Deus.”

A Semana Santa que hoje se inicia e que iremos viver até à Vigília Pascal tem esta função: iniciar-nos nesta escola de amor, fazendo-nos olhar para o caminho feito por Jesus e a aprender Dele que os obstáculos que a vida nos coloca, e nos quais às vezes como que nos instalamos, não são definitivos. Não podem ser, porque Deus é Amor.

Boa Semana Santa!

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